Carta aberta a todo mundo que acha que transtornos mentais são mimimi


Esta carta é para todos vocês que, de alguma forma, acham que transtornos mentais são frescura. Que acham que é falta de Deus ou falta de sei lá o quê mais.  

Esta carta é para todos que, direta ou indiretamente, já me injuriaram falando sobre minhas crises de ausência e de ansiedade. 

Eu sei que esta carta poderá ser lida por pessoas que sofrem algum transtorno mental e já aviso que pode ter gatilhos emocionais. Sei também que será lida por umbiguistas, mas a intenção é fazer esses seres tirarem os olhos do próprio umbigo e mundinho e começarem a ter talvez uma nova percepção de mundo. Eu simplesmente cansei. 

Pra quem não sabe, quando eu tinha onze anos, eu estava andando a cavalo e ele disparou comigo, fazendo com que eu caísse, batendo a cabeça numa pedra e ficando desmaiada por mais de meia hora. Devido a queda, fiz diversos exames e nenhum acusou nada, ou seja: não tenho nenhuma doença neurológica. Quis falar disso só para vocês já excluírem a hipótese que tanto falam de que “Ah! Deve ser louca, por isso tem tais comportamentos!”. O transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é uma doença comum… Vejam só! Não sou nenhum et. Que pode ser causada por diversos fatores. Por traumas, estresse, mudanças hormonais, etc. O principal sintoma é a preocupação excessiva com o futuro e como tudo que está ao nosso redor. E mesmo tendo consciência de que esses medos são excessivos, eu não consigo controlar.  

Comecei tendo crises de pânico por volta dos meus 15 anos, tais crises eram pesadas. Lembro-me de várias vezes a minha mãe ter que sair do trabalho para ficar comigo porque eu estava com medo de morrer. Lembro-me também de passar por vários médicos. De cardiologistas e clínico geral até chegar a um psiquiatra. Cardiologista porque um dos sintomas mais frequentes quando estou em crise é ter taquicardia. Então foi bom verificar se está tudo bem com o meu coração, e por incrível que pareça está sim. Comecei a fazer tratamento com remédios ansiolíticos pesados, e depois de uns três anos eu não tinha mais crise de pânico. Mas eu não entendia o porquê de às vezes o meu coração disparar, a minha vista escurecer, eu começar a tremer e em algumas vezes cair. Então voltei ao médico e foi diagnosticado que tenho transtorno de ansiedade generalizada. Mas esse diagnóstico veio após muitos errados.  Lembro-me que quando soube eu não dei muita importância. 

Daí que quando penso que não podia piorar, eu prestei vestibular, e ingressei na universidade. Já no primeiro semestre que eu estava lá, as minhas crises aumentaram a frequência e os sintomas. Eu comecei a ter desmaios, espasmos, minha concentração foi ficando falha, até eu perceber que não conseguia me concentrar em nada mais. Os meus medos ficaram gritantes e a auto-cobrança surreal. 

Daí fui a outro psiquiatra, e, além de trocar minha medicação e detectar que também tenho Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), ele também me indicou a psicoterapia.  

Por estar tendo muitos pesadelos na época, eu comecei fazendo psicanálise e logo após parti para a terapia. E terapia é um troço louco e ótimo. Comecei a enxergar e a perceber várias coisas que somatizavam as crises e obviamente a tentar evita-las. Mas a universidade não me ajudou muito.  

Querida professora, eu não tenho preguiça de pensar, como você me disse no primeiro ou segundo período. Eu só preciso de um tempo maior para absorver algumas informações.  

Querida colega de classe, eu não sou só tímida. Eu tenho pânico de público/plateia, e isso pode fazer com que eu tenha amnésia. Querido professor, eu estudei para a sua prova duas semanas direto, mas na hora a pressão e a cobrança eram tantas que não consegui organizar minhas ideias e fiquei toda confusa.  Querida amiga de curso, eu não uso as minhas crises de ausência para fazer jogos e nem para levar vantagem em algo. O médico disse que essas ausências acontecem quando a ansiedade está num nível muito alto. E sim, eu chego a ficar fora de mim e parecer uma maluca, talvez.  Querido colega de pesquisa, eu não finjo desmaios. A crise de ansiedade faz com que o meu cérebro tenha altas descargas de energia e então desmaio. Logo, não sou um bom objeto de estudo para a psicologia, entende? 

Querido novo professor, eu nem pisquei durante a sua explicação da matéria, mas já me esqueci de tudo. Imagina só como será no dia da prova? 

Querida professora, eu faltei a sua aula porque precisava estudar para essa outra prova. Você me desculpa? 

Querido grupo de trabalhos, deixe-me com a parte da pesquisa e o diabo a quatro, só não queiram que eu apresente o que eu pesquisei, ok? Eu nunca sei quando vou ter lapsos de memória, então é melhor não arriscar. 

Querida funcionária, eu estou chorando no banheiro porque estou tendo uma crise e estou me sentindo culpada por isso. Não se preocupe. 

Querido diretor, a minha pressão não caiu, eu fiquei pálida porque meu sangue para de circular nos instantes que a crise de ansiedade ou de ausência dura. 

Querida colega de estágio, eu realmente não me lembro de nada que você me disse que aconteceu. Não me lembro de ter deixado nada cair, não me lembro de beber água, não me lembro do que me falou e nem que cuidou de mim. Desculpa, mas realmente fico ausente. 

Querida amiga, obrigada por tirar objetos das minhas mãos e me sentar quando percebe que estou ausente. 

Eu não sou uma má amiga: eu sou não tô a fim de ver ninguém hoje e nem de conversar. Vamos marcar para outro dia, só não deixe de convidar. 

Querido amigo, eu realmente tenho altos e baixos, mesmo fazendo tratamento psiquiátrico e terapia. Então seria melhor você se acostumar com a minha versão animada e disposta e com a versão indisposta, que quer desistir de tudo, mas nunca desiste. É normal eu ter crises depressivas no decorrer do tratamento. Relaxa. Vão ter dias que vou querer conversar sobre todo e qualquer assunto, que vou querer sair, beber, mas também vão ter dias que vou ficar mais introspectiva e pensativa. Se você é realmente meu amigo, apenas respeite e não se afaste. Mas se quiser se afastar, não vou ficar magoada contigo por isso. Entendo que as relações hoje em dia são rasas e egocêntricas, então é compreensível o afastamento de alguém que não vai te dar nenhuma vantagem. 

Querida vizinha de carteira, não precisa me olhar com medo ou com julgamento. Eu não mordo, só se você pedir.  

Queridos do fundão, eu não consigo me concentrar com ruídos, por isso peço silêncio. Não é nada pessoal. 

Querida amiga de outro curso, eu realmente prefiro programas mais light. Deixa essa festa pra outro dia.  

Querida chefe, eu te agradeço pela confiança e faço tudo que está ao meu alcance, mas se algo não ficar muito bom, você pode me falar. Sei receber críticas sem me sentir ofendida e sem levar para o lado pessoal. 

Querida professora amiga, eu não duvido da sua amizade. Te peço desculpas por todas as vezes que deixei as minhas alterações de humor e paranoias falaram mais alto que meu carinho e cuidado com você. 

Enfim queridos e queridas: continuo em tratamento, quem me acompanha de perto enxerga minhas melhoras. Só essa tal de crise de ausência que é algo novo, porém não me dá medo. Vejam só como é a vida: apesar dessa mente bichada, eu não tenho medo disso. Sei que, em determinada fase de vida ou tratamento, irá passar.  E juro que se algum dia eu conseguir fingir um desmaio, encenar algum sentimento, eu largo o jornalismo e vou cursar artes ou teatro. Alguns de vocês eu amo, outros eu gosto muito, outros não cheiram e nem fedem. Mas independente do meu sentimento por vocês, acima está o respeito e a empatia, que sei que às vezes é difícil de ser exercida. Então peço o mesmo respeito de vocês! 

Eu não sou incapaz. Sei que tem muita coisa errada, e vocês acreditando ou não, eu vou sair desse limbo que é a TAG e ainda rir mais disso tudo. Já dou risada de tantas situações. 

Se cuidem. E cuidem principalmente da saúde mental de vocês.  Tenho cuidado bem da minha! 

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