[Você pode ler este texto ao som de Entardecer – Silva]
Volto de mais uma viagem curta e sabática à cidade de São Paulo. A sensação que fica quando a pista de pouso de Congonhas se aproxima ou, no caso da volta a minha terra, quando as luzes do Tietê vão se afastando, é a de que São Paulo oferece uma espécie de sonho comparável à idealização americana. Veja bem, a comparação pode soar ligeiramente exagerada, mas é assim que me sinto sempre que piso na cidade.
O jeito rápido do paulistano, a forma com que lida com a diversidade de aparências e pessoas que vagam pela Paulista, os labirintos da cidade e esse clima cada vez mais cinza e frio disfarçam os bastidores. Por trás de toda essa gente que parece correr e se esconder sob a falta de tempo e os muitos afazeres está a alma do paulistano. E o paulistano pode ser carioca, mineiro, bahiano, do sul. Pra ser paulistano você nem precisa falar português. O paulistano é uma mistura de todo tipo de coração. Não é à toa que a cidade abriga tantas tribos num único lugar. E é sobre abrigo que São Paulo bem entende.
Os amigos que fiz aqui ao longo dos anos são sempre solícitos. Você nunca vai se perder em São Paulo se começar a frase com “por favor” ou tiver um pouquinho de paciência pra perceber que as coisas na cidade são meio orgânicas e vão sempre te indicar pra onde ir. Na dúvida, pega o metrô. Dá pra se encontrar em quase toda parte da cidade pedindo pra chegar ao metrô mais perto. E pode pedir do seu próprio jeito, sem forçar o r ou tentar diminuir o teu s pra soar mais paulistano. Não é à toa que eu me sinto sempre mais carioca quando ouço o meu chiado ressonando no meio da frase e a galera ri de mim. Implicância moderada e aquela velha rixa entre Rio e São Paulo também é algo natural na cidade. Eles vão sempre preferir a Augusta à Lapa, mas isso não significa que não saibam apreciar umas boas coisas que a gente tem no Rio. As praias, por exemplo, são motivo de inveja. Inveja rápida, diga-se de passagem, o paulistano não tem muito tempo pra pensar nisso, é preciso sonhar nessa cidade.
Pra quem já morou por uns breves meses na cidade, falar sobre São Paulo é falar sobre saudades. Saudades do trânsito caótico, do metrô lotado, das muitas filas. Saudades no plural porque tratar no singular é o mesmo que ignorar a falta múltipla que sinto daqui. É sentir falta de encontrar comida libanesa numa terça-feira à noite em algum canto da cidade sem que soe impossível de se achar um lugar aberto. É não passar fome depois da meia noite porque tem muito lugar que ainda faz entrega. É nunca se sentir entediado ou limitado – a menos que você seja meio preguiçoso como eu – porque a cidade oferece um mundão de arte, de música, de literatura, de rua e de gente pra você observar e se deleitar. É reconhecer que existem cidades melhores ao redor do mundo, mas ter um carinho diferente por São Paulo e não saber explicar bem o porquê. Talvez nem seja a cidade, mas as pessoas e a histórias que tive o prazer de conhecer aqui.
Volto um pouco triste sempre que começa a segunda-feira e percebo que ainda existe um mundo a ser explorado no estado vizinho. Que ainda tem gente com tanta história, com tanta coisa pra ensinar, que bate uma saudadezinha prévia assim que entro num ônibus ou avião. E não sei se é só a minha impressão – ligeira e focada nas pessoas, friso aqui – de que o Criolo se equivocou quando disse que não existia amor em SP. Eu só sinto isso, aquele afeto sem travas por uma cidade que me faz sonhar e aparece como uma fábrica de oportunidades. No fim do dia, tudo parece convergir pra São Paulo. Sei lá, talvez eu seja meio paulistano. Talvez eu não tenha pegado uma praia essa semana ainda pra me sentir mais carioca. Mesmo que aqui seja aquarela, sem desmerecer o Rio, eu ponho um sorriso largo no rosto sempre que chego a São Paulo. Um daqueles sorrisos que dias frios e com tons de cinza proporcionam pra mostrar que ainda tem jeito pra ser feliz.
Imagem de capa via Aqui Bate Um Coração.