[Você pode ouvir o texto ao som desse cover de Irreplaceable]
Não sei se foi a neblina ou o vidro sujo do carro que me cegou, não sei se foi alguma coisa que eu fiz ou disse ou me desculpei ou nunca saberia dizer porque você sempre dizia, dizia de todas as formas, dizia com os olhos e me atirava pra fora do carro em alta velocidade com o silêncio. Me massacrava e voltava depois de dois dias fora pra dizer que te perdôo, mas me perdoa por quê? Pelas coisas que eu não fiz e não disse, pelo tempo que passei omissa e concordava que deveria deixar os outros de lado, que deveria viver pra você, que deveria compartilhar solidão a dois porque amor demais era isso?
Amor demais não é sofrer.
E foi preciso uma rota maior que a BR-cento-e-tantas que eu peguei pra me perder de você. Foi preciso trancar o quarto, te ouvir quebrando tudo o que eu tinha em casa, ver as dobradiças das portas quebradas pra perceber que aquilo era abuso e nunca foi amor. Que amor não arde a pele, não rejeita a gente, não isola do mundo. Que amor não pede pra não atender o telefone, não trata a gente como se fosse lixo, não coloca a gente em último lugar da fila de prioridades. Que amor não é agressivo, não some e depois volta com teor alcóolico acima de 60% pra pesar a mão na gente. Que amor não é pranto, desespero, medo ou qualquer coisa dessas coisas que podem botar a gente no chão.
Eu acreditava em você quando você dizia que eu nunca iria encontrar um cara igual a você. Acreditava e, talvez por isso mesmo, eu nunca tivesse feito nada. Talvez eu e milhares de mulheres lá fora estejamos confundindo as coisas e nos abusando, deixando que outros iguais a você digam o que dizem, façam o que fazem, machuquem como machucam. E o apelo comovido pode ser os os filhos, o casamento, uma doença capenga ou dependência sentimental, como no meu caso.
Foi preciso abrir mão de você pra entender que nada disso valia a pena, que eu não tinha que abrir mão de mim.
Foi por isso que dessa vez eu não tolerei, eu revidei em voz alta e te disse pra sair de vez. Sair de casa, sair do carro, sair do prédio e sair de mim. Sair de vez e me deixar por aqui, convivendo com a mágoa e tentando ser feliz. Sair dos meus poros e me desintoxicar. Me prometi que você não encostaria mais em mim – nem por fora, nem por dentro. E você continuava dizendo que eu nunca encontraria um cara igual a você.
Hoje mais cedo, voltando do trabalho pra casa, com os olhos carregando bolsas e ainda atormentada pelas coisas que você me dizia, o shuffle do iPod fez o favor de preparar uma trilha nova pra nova rota. Foi aí que eu entendi que ninguém é insubstituível e resolvi te escrever pra dizer que, sim, você tinha razão. E que ainda bem que eu nunca mais vou encontrar um cara como você.