Dê play pra ouvir o texto interpretado por Olivia Dias
Ninguém ensina como sobreviver ao fim de um sentimento que não deveria acabar. De um dia para o outro, tudo sumiu e eu nem tive tempo para me preparar. Esperei o telefonema que não aconteceu, a campainha que não tocou, a risada que ficou presa na garganta, o abraço que vai ficar na lembrança. Nem beijo de tchau eu pude dar, nem “se cuida, fica bem e volta logo” eu consegui te dizer. E você nem me deu chance de te pedir pra ficar. Amar não é uma escolha, você decidiu viver sua vida e eu continuei vivendo você. Sozinha, me afastei de todo e qualquer tipo de afeto. Repassei cada milésimo de segundo do nosso relacionamento procurando meu erro. Não encontrei nenhum significativo que possa ter sido o motivo do ponto final onde ainda merecia vírgula, exclamação ou a esperança não respondida de uma interrogação.
Eu não posso escrever sozinha, mesmo o amor sendo gigante, não tenho como amar por dois. As vontades, os desejos e os sonhos ainda continuam aqui, eles podem ser adaptados e até realizados com outra pessoa. Mas e os detalhes? E a forma como eles se encaixavam tão bem nos teus olhos, na tua pele, boca, cabelo, barba falhada, peito e palma da mão? As lembranças ficam, e a cama tá gigante, agora. Parece que tudo tem um pouquinho de você. A migalha de pão no requeijão, a xícara manchada de café, o jornal na porta, meu vestido favorito, os filmes da sessão da tarde, brigadeiro de panela, a roupa de cama bagunçada, as últimas fotos da máquina fotográfica, o shampoo no chão do banheiro, a balconista da padaria, o gerente do supermercado, meu travesseiro, o batom que meus pais me deram de aniversário e até o gatinho da vizinha.
Não consigo aceitar que não pude me despedir. Por via das dúvidas, vê se se cuida. Escova os dentes antes de dormir mesmo estando morrendo de preguiça. Abaixa a tampa da privada quando estiver na casa de outra pessoa e não deixa a louça acumular na pia. Te aconselho fazer supermercado todos os domingos, – eles vão estar lotados e é por isso mesmo que eu deixo a sugestão de ir e esbarrar numas pessoas novas. O ferro de passar precisa estar com a setinha apontada para “algodão” quando você for passar as suas camisas, não esquece. Não deixa de usar a calça preta que te faz parecer um cantor das bandas de rock que eu escuto. Vê se vai mais ao parque, ao cinema, vai aos shows dessas bandas que eu gosto. E vê se volta porque eu ainda tenho umas coisas pra te dizer.
Esses dias fui fazer café e coloquei a medida para duas xícaras. Arrumei a mesa com dois pratos. Deixei duas toalhas no banheiro. Fiz duas cópias da nova chave. Comprei duas caixinhas de iogurte. Tudo em dobro, quando lembrei que mesmo te carregando dentro de mim, eu sou uma só. E que só eu moro nessa casa. E não vai adiantar nada multiplicar as coisas. Todas as quintas-feiras chuvosas de outono, coloco teu moletom azul marinho, deito no sofá e assisto o filme que vimos na primeira vez que fomos ao cinema juntos. Fico te esperando voltar. Minha música favorita ainda é a mesma e não consegui trocar o vidro quebrado da janela. Comecei a jogar minhas meias pelo chão igual você sempre fez com as suas e sinto falta inclusive da tampa da privada levantada. Arrumei o apartamento, fiz faxina em cada canto que você possa imaginar, comprei geleia de morango e tem um bolo de chocolate no forno. Vou esperar o telefonema ou a campainha, quem sabe um dia eu ainda possa te dar tchau.
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