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Recebi do Leitor L.V.:
A língua japonesa tem algumas palavras para “dor”. Itai pode representar uma dor de barriga ou de dente. Jáitami, por exemplo, pode significar um hematoma, machucado. Há, porém, outra palavra para tal. Kurushimi, traduzido, seria a dor mental e psicológica, uma angústia, sofrimento. A linguagem das palavras é diversa e específica de cada ponto do planeta, de cada país e de cada cultura. A linguagem dos sentimentos, não. Ela é a mesma para mim, para você e para o senhor Nakamura que está do outro lado do mundo agora (provavelmente mais feliz do que eu). Há uma frase de José Américo (e do filme Babel) que diz que “(…)a dor é universal”. Na frase ele diz, ainda, que a dor é universal “porque é uma expressão da humanidade”. De fato. Eu acredito que toda dor “dói”. É complicado dizer uma é pior que a outra. As pessoas não têm culpa por sentirem o que sentem, independente do que levou a isso ou ao quê isso vai levar. Nós sentimos e ponto. Toda dor é ruim, independente dos motivos, independente de sabermos que sentir aquilo é socialmente errado ou simplesmente imbecil. Toda dor, porém, nos leva a algum lugar. A minha me leva a escrever esse texto na tentativa de não morrer sufocado.
Era uma manhã até agradável. No momento em que entrei naquela praça eu tive a certeza de que estava refilmando as cenas finais de 500 Days of Summer. Sentamos ali para tratar de outro problema importante. É claro que eu ia puxar o assunto “nós”, mas ia ser mais tarde. Uma coisa, porém, me chamou a atenção e me fez mudar o protocolo. Mulheres, sempre que vocês tiverem algo a esconder, jamais, sob hipótese alguma, desviem o olhar durante a conversa. Eu sabia no momento em que ela evitou meus olhos que havia algo de errado. Algo a ser dito.
Passamos não mais que duas semanas afastados, entre o natal e o início de ano. Foram anos tentando, anos indo-e-vindo, anos começando e terminando. Havia se tornado pesado, por mais que houvesse seus grandes momentos. Só que, para mim, estava tudo zerado e eu estava novamente pronto pra amá-la o mais intensamente possível. Só que as pessoas são diferentes. Custei a perguntar, mas saiu: “Por que você está assim? Você conheceu alguém?”. Na mesma hora me veio na cabeça que seria impossível ela ter conhecido alguém. Ela passou esses dias todos viajando com a família e não tinha nem 1 dia aqui ainda. Seria impossível.
Antes de internalizar e me acalmar – o que de fato, era a ideia mais coerente, eu ouvi aquele seco “conheci”. Gelei. Minha boca ficou seca e fiquei parado sem entender nada. É engraçado sentir aquele frio-na-barriga, digno da pior montanha-russa da Disney (ou do Golden Park). Senti a dor sair de algum lugar do meu peito e ir ao meu estômago. Depois seguiu aos pelos do braço que se arrepiaram e por fim aos meus olhos. É uma sensação de derrota, de perda, de fim. Tudo isso em apenas alguns segundos daquele triste “conheci”. Não adiantava, não havia choro, drama ou palavras que pudessem fazê-la voltar atrás. Eu me lembro de ter ouvido um “me perdoe”. Eu desejei por um momento que tudo aquilo fosse brincadeira, uma piadinha para descontar as tantas que eu faço. Eu desejei tão forte – porque me contaram que desejos fortes viram realidade. Eu disse que não devemos comparar uma dor com a outra, mas a dor da rejeição junto com a da perda fazem um belo estrago.
Eu tava sendo comido vivo, alternando comentários agressivos, desejos ternos e implorando para voltar pra mim. Descobri que é horrível pedir para alguém voltar para você. Nas novelas e filmes soa tão bonito, mas na vida real é humilhante. Deve ser porque geralmente na ficção sempre tem um “sim” acompanhado de um abraço e um beijo. Meu pedido veio acompanhado de um “pare com isso” e de um “não te amo como você me ama”. Tinha um “você merece alguém que te ame de verdade”, mas esse não doeu. Eu não acreditava nisso mesmo. Eu a merecia e ponto. Daria minha vida por ela. Foi tudo muito rápido. Se eu transferisse para duas semanas antes provavelmente estaríamos em alguma ligação romântica fazendo juras de amor e corroborando que ficaríamos juntos no futuro porque somos incríveis. Mas, eu já devia ter imaginado que algo assim viria. Que tipo de pessoa faz juras de amor dia 23 de dezembro e não manda uma mensagem de Natal sequer? É uma coisa pequena que revela uma coisa grande.
Eu demorei um pouco pra me tocar, mas percebi que não se tratava só de mim e dela, mas, havia um “ele” também. Não sei em que ponto “ele” entrou – se foi no natal, no ano novo ou só no novo ano, mas havia alguém. Havia alguém que recebeu um Feliz Natal, um Feliz Ano Novo e uma ligação de “estou aqui, cadê você?”. Houve alguém que recebeu um “como foi de fim de ano?”, um “você está bonito” e, por fim, um beijo. Não foi a mim que ela procurou quando voltou ou que ela procurou para mandar mensagens de fim de ano; não foi a mim que ela quis ver. Quando surgiu isso na minha cabeça eu entrei em colapso. Não conseguia falar nada, só pensar nisso. Por quê? Eu não sou psicopata-ciumento-obssessivo que não quer que a parceira fique trancada em um quarto o dia todo. Eu sou um cara legal, gosto de boa música e as vezes me acho bonito. Uma vez, um pai de uma antiga namorada me chamou, brincando, de “inofensivo”. Independente do sentido que ele quis dar – ou do que meus amigos gostam de dar para me pirraçar, eu sou, de fato, inofensivo. De pergunta em pergunta o sistema saiu do ar e eu virei uma máquina de choro. Doía, apenas. Dor, no seu sentido mais restrito e forte.
Tem uma música de uma banda que eu gosto muito que faz a seguinte pergunta: “When Love is gone, where does it go? Where do we go?” Dizem que toda dor passa. Eu não sei se acredito, para mim ela se agarra na pessoa e se torna parte dela. Isso não é passar, é deixar de doer emocionalmente para doer racionalmente. Eu não sei o que de fato acontece, mas eu preciso que ela passe. Tanto essa dor emocional quando essa dor racional. “A dor da perda e a dor de não ter”. São coisas diferentes e para a minha infelicidade se completam. Li um texto de um rapaz chamado Daniel Bovolento, de um desses sites que têm aqueles textos que parece que foram escritos para você. Ele fala que tudo passa, que a gente esquece. Mas, se for verdade, qual o sentido? Por alguma razão biológica ou divina me foi dada a missão de amar essa mulher com todas as minhas forças. De querer seu bem, querer sua felicidade e querer seu crescimento. De lhe ser fiel e ser seu companheiro. Fui destinado a amar cada pedaço do seu corpo, seu riso e seu choro. Eu amei cada birra e cada comemoração. Amei suas qualidades, seus defeitos e suas manias estranhas. Eu sinto seu cheiro na minha cama e nas roupas que ela me deu. Cada música e cada momento incrível que vivemos juntos. Tudo: eu descobri com ela. Eu amei essa mulher desde o dia em que eu a conheci há 10 anos. 10 anos e eu nunca fui capaz de amar o sorriso de ninguém como eu amo o dela. Além disso tudo, ainda amava amá-la. Amava sentir esse amor todo e me sentia a pessoa mais incrível do mundo por ser capaz de gostar assim de alguém (e não ser psicopata, o que é um grande feito).
Pra onde vai tudo isso? Eu não aceito experiência como resposta. Não aceito um “viveram o que tinham que viver”. Tem tanta coisa para viver ainda! Tanta coisa para mostrá-la e para ela me mostrar. Onde vou enfiar tudo isso que eu sinto? Cadê meu botão de reset? Eu não quero que o que sinto passe. É tão forte e tão bonito que eu sei que não existe muito por aí. Meu amor não é melhor que o amor dos outros, mas, meu amor é grande, é terno, é companheiro. E a parte que me irrita racionalmente é que eu quero que ela fique bem. Não quero vê-la chorando. Isso me mata, tanto quanto ficar sem ela. Eu não sei como agir ou o que esperar.
O desconhecido é empolgante e assustador. Susto e dor. A frase de José Américo e o cartaz de babel se assemelham quanto à frase principal, mas há algo no cartaz que também deve ser dito. A dor é universal “e a esperança também”. Esperança de esquecê-la e conhecer alguém que irei amar muito mais. Mentira, isso é convenção social e desejo padrão da dor de cotovelo. Eu a queria de volta e bem, não como utopia, mas como já foi. Acho que, do fundo do meu coração, eu quero que essa dor passe. Quero acreditar no tal do Daniel quando ele diz que já passou com outros e que um dia irá passar pra mim.
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