Paris, 25 de fevereiro de 2014
Sam,
Setenta e cinco dias se passaram desde que você saiu da nossa casa tão metodicamente perfumada com o aroma doce dos nossos sorrisos. Os lençóis continuam revirados e a mesa ainda está posta esperando pelo jantar que nunca aconteceria, servindo de abrigo para uma saudade que esquentava a cadeira da sala e o vazio árido do meu coração. Ás vezes me pego sorrindo sozinha lembrando aquele seu ar cansado ao chegar do trabalho que logo se esvaia em um beijo quando se deparava com sua receita preferida sob o fogão. Você adorava minha malícia em resgatar suas vontades preferidas de um livro de receitas, da vida, do amor.
Confesso que estou um pouco viciada nas nossas conversas de fim de noite, ali na portinha do sono, quando eu justificava todo meu dia naquela troca de cumplicidade. Você sempre dormia antes de eu conseguir terminar o caso, eu sei, mas o seu suspiro perto do meu já consolidava o desfecho perfeito para um dia às vezes não tão agradável. Descobri várias coisas sobre o amor sabe. Hoje, entendo a importância que eu deveria ter dado para o seu descontentamento naquele domingo a tarde com minha falta de sensibilidade com suas urgências. Quando a gente se afasta de tudo aquilo que acredita acaba afastando também as pessoas que se importam. Você se importava. Eu também.
Minha chave faz um barulho diferente da sua na fechadura da porta e isso me tira um pouco a paz quando chego em casa as 2 da manhã depois de uma noite qualquer. Nem o vento nas cortinas da sala parece assoviar com o mesmo encanto. Até ele já percebeu que nossas janelas estão desafinadas e que a melodia pode nunca mais ser a mesma. Outro dia deixei a torneira da cozinha pingando na expectativa de que você magicamente surgisse com os cabelos desgrenhados, murmurando alguma coisa sólida sobre minha falta de habilidade em fechar o cano até o fim. Você não veio e bem, com a torneira fechada o som da solidão ficou cada vez mais alto dentro de mim. Não é uma ausência completa dessas que deixa a gente prostrada no canto do quarto. Tenho meus amigos, minha família, meu cachorro que também aprendeu suas manias, meu trabalho e um mundo inteiro do lado de fora que me faz querer sair por aí vestindo saia de chita e laço no cabelo. Mas a falta de você é aquela pedrinha no meu salto alto de sábado à noite.
Continuo caminhando aos domingos na Pont des Artes, agora um pouco mais cedo desde sua insistência em começar comigo uma vida saudável. Mal sabia eu que buscar o equilíbrio ao seu lado era estabilizar também todas as fraquezas do meu coração. A ioga tem me ajudado bastante a transcender esse meu lado demasiadamente impulsivo, o mesmo que te expulsou de casa naquela noite chuvosa de verão. O mesmo também que hesitou em abrir a porta após o fim da tempestade. Fazer as coisas na intempestividade do momento nunca é uma boa ideia. Agora eu sei que se eu tivesse aberto a porta no instante exato talvez ela não tivesse se fechado para sempre. Acho que meu peito será morada infindável desse infinito.
Não sei bem o que dizer com essa carta, mas acho que só queria que você soubesse que sua falta fica evidente em cada suspiro dessa casa que ainda é tão nossa. No fundo, acho que você sabe. Em breve trocarei as fechaduras da porta, até lá fique a vontade para beijar sutilmente meu sono enquanto procuro por você de olhos fechados na imensidão de sentimentos que existe dentro de mim.
Com amor,
Nina.