[Você pode ler este texto ao som de Céu – Retrovisor]
Ele prefere Doors e fone de ouvido. Ele prefere sair de domingo. Ele fala sobre estradas e bares aos quais não quero mais pertencer. Ele escreve sobre a escolha de amanhecer ao meu lado; e se levanta sem me dar bom dia, beijo e café na cama. Ele me abandona em uma cozinha, em que vasculho coisas para conversar. Eu sou decorativa. E nem combino com essa cozinha. Dialogo com essa solidão forçada, sendo interrompida, de vez em quando, por um cachorro que chora do outro lado do muro. Ele diz que é a morte anunciada. E o cachorro morre na semana seguinte. E a minha vontade de chorar anuncia o quê? Quando pergunto se ele morreria por mim, a resposta vem sem reflexão, enfeites ou pausas: É claro que não. Ele escorrega sobre mim pra fazer graça. E escorrega de mim assim que o celular toca. Ao lado dele, é música e diversão. Um descanso para a cabeça. Toda vez que durmo sozinha e me lembro de como ele respira durante a noite, penso em ligar já sabendo que nada o faria mudar de ideia. Nada o faria vir até mim, porque quer ou porque quero. É longe demais. Seus gatos fedem. Tenho que acordar cedo. Estou cansado. E insisto porque. Ele disse que escolheu amanhecer ao meu lado. E ele amanhece, como promete. E ele só amanhece.
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Priscila Nicolielo escreve até correio elegante. Roteirista do programa Esquadrão da Moda (SBT) por amor e dinheiro. Dramaturga em coma. Publica seus impulsos aqui e ali; sendo aqui, seu blog; e ali, seu tuíter.
Ela é a autora desse texto e, se eu fosse você, correria agora no blog dela para ler mais. É só clicar aqui.