– O que te aconteceu, hein?
(O que me aconteceu foi que eu apostei tantas vezes e apostei errado e passei perfume achando que você fosse chegar no horário certo e ver que ainda dava tempo de me convidar pro baile. Toquei a bola branca pro buraco e não sabia o que isso significava porque você nunca podia me ensinar a jogar sinuca na Bambina. Tive dor de cabeça e ressaca solitária com mais dois estranhos num motel caído da Glória porque você achava que a Lapa fedia e não podia ter feito nem o esforço de levantar a bunda da cama pra me acompanhar. Ah, mas se eu fosse uma dessas suas loiras-morenas-ruivas sedutoras de batom vermelho, você teria levantado e colocado um paletó bonito ou um suéter cor de vinho como um dos presentes meus que você nunca usou. Ou talvez nem olhasse porque você nem liga pro meu perfume.
Acontece que eu quebrei a unha dirigindo no meio da madruga pra te buscar, e você sabe quanto tempo demora pra ela crescer de novo? Eu já acho que surgiu uns cabelos brancos e não tem propaganda de Seda que me convença que você é uma boa razão me deixar despentear. Bonita essa tua intensidade mostrada pros outros, mas será que você imagina que estar com os nervos à flor da pele por sua causa vai além da bondade da catarse e se torna irritantemente doloroso? O que me aconteceu foi que eu caí e você continuou olhando pra bunda da magricela que nem se parecia comigo (e isso talvez explique o porquê de você ter olhado).
Acontece que você nem é lá grande coisa e as minhas amigas não sacaram ainda o charme das suas covinhas e das suas ligações repentinas me contando alguma coisa sobre uma série boba que eu nunca vou ver. Eu fico pensando se quando a gente era menor você não reparava as minhas piscadelas ou se acha até hoje que eu tenho algum tipo de caguete engraçado. Seria cômico se não fosse comigo, se não fosse você, se não dependesse dessa sua lerdeza sem igual que não enxerga que eu gosto de você. E nem me importa tanto assim que você seja meio fã de música pop. Nem me importa que você me mande umas mensagens perguntando o que eu achei sobre as suas pretendentes e nem que eu tenha lugar cativo, cama, comida e roupa passada na sua friendzone. Nenhuma delas te faz rir como eu, te atura de cueca do Bob Esponja tentando se seconder do meu pai dentro do meu armário, te defende sempre que a minha mãe diz que você é gay (ainda que isso explicasse o porquê de você só ter tentado me agarrar bêbado) e tudo mais.
Ah, acontece que você é meio idiota, bobinho e todas essas coisas que eu não queria que você fosse – porque só me fazem gostar mais de você. Pena que é meio tapado, meio frustrado, meio que tem medo de arriscar a gente, meio que nem sei mesmo se gosta de mim e insisto: isso me irrita. E o pior é que eu nem consigo expressar raiva porque eu sou uma dessas nervosinhas sorridentes. Minha boca se abre, meu riso se solta, mas eu queria mesmo era cravar as unhas no seu pescoço e tentar te marcar um pouquinho como você faz comigo.)
– Nada. O de sempre. E você nem sabe. Mas deixa pra lá.