Você tem medo de quê?


[audio http://dl.dropbox.com/u/104739227/Tiago%20Iorc%20-%20Tempo%20Perdido%20(Legi%C3%A3o%20Urbana%20Cover).mp3 |titles=”Tempo Perdido – Tiago Iorc”]

Eu tenho medo de deixar passar o tempo e não me ver nele. De olhar muito pra frente, ou muito pra trás, ou muito pra qualquer direção. E acabar me esquecendo de me olhar no espelho. De reparar nas marcas do rosto, na espinha vermelha que não é tão aparente assim, nos contornos do nariz que vão se modificando ano após ano. Tenho um grande receio de me perder ao não saber mais dizer a cor dos meus olhos – ou pior: de não saber mais se eles ainda brilham por alguma coisa apaixonante. Sem contar com o medo de não ter rugas no coração.

As nossas motivações diárias acabam se tornando mecânicas. A gente vira script rodado de blockbuster da sessão da tarde. Somos iludidos pela premissa de que as rédeas da nossa vida são nossas de verdade. E se eu te perguntasse agora qual era a cor do céu de ontem à tarde, você não saberia me responder, mesmo que tivesse andado pela cidade o dia inteiro. Os edifícios cor de cinza ultrapassam o campo de visão. Agora nós é que somos cinza. Deveres e responsabilidades tiram o lugar especial que os sonhos tinham. E a fantasia que proporciona catarse e dá alguma razão à vida se torna um vazio sem esperança. A gente vive pra quê?

Uma das minhas grandes frustrações dos dias corridos: não vou mais a festas infantis como antes. Aquele colorido constante e as correrias de crianças foram extintos. As vozes minúsculas agora nos tiram a paciência. Irritam pela inconveniência. E o que eles dizem não importa porque nós alegamos que eles não sabem o que dizem. Aquele nosso olhar marcado encara os pequeninos com superioridade. E quem me dera que essa superioridade fosse apenas por causa da diferença de altura. Mas nós acabamos por nos tornar tudo aquilo que negávamos ser: descrentes no que realmente queremos viver. E me assusta que nossos sonhos sejam tão descartáveis quanto os copos plásticos ou a decoração da mesa dessas mesmas festas infantis que paramos de frequentar.

Nós negamos a nós mesmos o direito de acreditar e aproveitar a diversão por ela mesma. A espontaneidade infantil é perda de tempo pra nós. Corredores que somos, acabamos esquecendo qual é a corrida que vale a pena. Mesmo que a corrida exija que paremos um pouco pra respirar ou que mudemos de via no meio do caminho.

Meu receio é de que estejamos postergando os nossos sonhos – aqueles elementos do imaginário que são associados diretamente a nossa felicidade – e colocando ações mecânicas sem sentimento nenhum no lugar deles. A gente se esconde atrás das obrigações sociais e as utiliza como desculpas pra depois. São os nossos 5 minutinhos diários a mais. Parecem inofensivos, mas têm efeito retardado: somam-se às obrigações e fazem desaparecer as nossas vontades mais inofensivas e espontâneas. E com isso, a tal da felicidade também vai embora.

Lembro ainda que, quando criança, eu tinha um medo danado do escuro. Era só fechar os olhos que a imaginação me fazia ver um mundo de possibilidades que variava de monstros a seres especiais de outras dimensões. Mas agora os medos se foram. E junto com o escuro, a imaginação também se foi. Sonhos não mudam, caro leitor. O que muda é a cabeça do sonhador. Aos 10, aos 20, aos 35 e aos 50. E a gente parece se esquecer disso e continuar com o campo de visão limitado num ângulo pouco menor que 90 graus.

Minha dor é não conseguir mais ver além dos meus olhos – coisa que já tem acontecido há algum tempo. E nesse meio tempo, eu tenho medo de me perder. Dos sonhos encaixotados, da infância risonha, da espontaneidade diária e de tudo aquilo que foi feito pra fazer girar a vida. E você, meu amigo leitor, tem medo do quê?

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