[Você pode ler este texto ao som de Açúcar ou Adoçante]
Não recuse a voz dela, rapaz. Só é doce porque tem você na ponta da língua. O contorno do batom tem algum nome idiota que você nunca vai saber e as unhas que te arranham as costas com carinho são de alguma cor exótica para além da sua compreensão masculina. Mas não desvie delas. Nem das unhas, nem dos lábios dela. Ela não se apoia em você à toa. Porque você é a queda e a sustentação dela. Um alicerce meio torto que sempre abala as estruturas. Sem segurança nenhuma. Você é a contraindicação específica dela.
Segure as palavras vãs. Elas vão, mas ela fica. Ela vai, mas elas ferem.
E você é a casca da ferida recente. Que nunca cicatriza porque você resolve abrir de vez em sempre. Na frente dela.
E ela deixa. E sabe. E não sabe por que deixa. Mas a culpa é sua.
Você começa como uma tosse de verão que não faz estrago nenhum. E acaba sendo a razão da conta mensal do analista dela. Já não basta ser o problema, você ainda sugere que seja a solução? Seu soro não se produz em si mesmo. É antiofídico. Atenda o celular e diga que não pode falar agora. Mas nunca a recuse assim, de graça. A entrega dela é por sua conta. Delivery sentimental. E nem tem taxa extra ou cobrança demais no fim do dia porque ela se dá de graça. E você, sem graça, prefere levar nas costas o amor da menina. Que é pra afastar a sua solidão e deixá-la desamparada. Muitas doses de você ao dia causam efeito retardado na fórmula dela.
E ela ignora a bula. É hipocondríaca demais e quase dependente de você.
Sofre de overdose.
Mas no caso dela é falta demais pra aguentar sozinha.
Preencha o receituário e aceite as recomendações, moço. Olhe dentro dos olhos dela e confesse que faz por mal. Se a sua intenção for das melhores, você vai escolher perdê-la de vez agora para, quem sabe, sentir a falta dela e descobrir que foi melhor assim. Que alguns estados são terminais. E que o diagnóstico só é dado quando é tarde demais pra gente admitir que não é a pessoa certa pra alguém. Confira as músicas que ela ouve e o sorriso débil de quem não tem mais forças. Mas ela ainda sorri, e é por você. E tenha alguma compaixão por si mesmo para deixá-la ir. Os médicos agradecem.
Desligue as máquinas e corte a respiração ruim dela. Ela vai aprender a lidar com outros ares.
Siga essa receita até o fim e entenda que ela sofria da doença de amor errado.
Perca-a de vez.
Ao contrário do que ela pensa, ela não vai morrer por você. Nem da falta de você.