Não importa muito se foi ferimento talhado a estilete ou se foi uma acidez latente que tomou conta do seu estômago de repente. Você nunca soube muito bem que sabor tinha aquele tal adeus. Até perder a chance de proclamar uma despedida digna de finais de ciclos. Você não teve nem a chance de se ferir sozinho da melhor forma possível. É que adeus tem gosto de pólvora fresca, pronta para explodir quando alguém aperta o gatilho bem na sua direção. Agora você já sabe o sabor de um adeus.
Deixemos a dor de lado por um tempo. Eu sei que você deve ter desanimado e que seria clichê não admitir que você passou a fechar mais as portas e a girar mais maçanetas. A porta do seu quarto ganhou um aviso diferente. “Perturbe”. Você quer qualquer coisa que faça barulho e adentre o seu espaço sem bater duas vezes. Pra dizer a verdade, todos nós queríamos mesmo é que aquele amor perdido escancarasse todas as nossas portas e janelas e corações e a gente nem ia tentar conter as lágrimas. Nem homens, nem mulheres. Ninguém se salva da esperança lenta que cisma em dizer: o que você ouviu foi um até logo. Logo mais o amor volta. Eu sei que não volta. Se você ainda tiver dúvidas, pare de me ler neste exato momento. Essa carta é pra quem já perdeu algum amor de vez e enxerga isso quando bate uma angústia calma do nada. É pra quem pendura um aviso de que quer alguém pra quebrar o silêncio que fica quando todo mundo resolve se calar de vez. Só me entende mesmo quem já perdeu um amor.
Você precisa mais de aconchego do que gente dizendo que vai ficar bem. É a falta de estar preso num abraço quente quando todo o resto é morno ou frio demais pra causar alguma reação espontânea que te faça acordar. E precisa de menos compromissos com agendas e calendários porque as datas sempre lembram aquele dia. O meu julho de 2007 pode ser o seu dezembro de 2009, ou o janeiro de 97 de outras pessoas. As minhas doses de whisky ou rum podem ser a sua cerveja no happy hour, ou a sua vodka importada do final de semana. O meu vinil deve ser parecido com o seu iPod, ou o seu toca-discos. A gente sabe que eles são iguais porque sempre lembram que ali houve presença algum dia. E o tal aconchego de que você e eu precisamos? Você tem vivido normalmente, aposto. Eu também. Já passei do ponto de fazer fogueiras com as fotos antigas que eu tinha presas no armário. E já passei da parte de relembrar todos os dias uma rotina que não era só minha. Ah, mas a gente se acostumou, eu sei. Nada como voltar pra casa e encontrar as luzes apagadas. Nada como tatear no escuro e encontrar a cama vazia. Isso ensina muito. Pelo menos foi o que aprendi.
E como você perdeu o seu amor? Pode ter sido no acidente de carro em que José perdeu a Maria, ou o aeroporto que o João deu tchau pra Teresa, ou a Fernanda que fugiu do Max, ou a janela molhada de chuva que marcou o beijo da Julia e do Fábio. Você deve ter perdido o seu amor num desse olás sorridentes que não esperam desfechos tristes. Ou num telefonema ou e-mail inesperado que terminava com alguma palavrinha besta e um sentimento de aflição enorme. Mas olha ao seu redor: você não está sozinho e todos os amores perdidos foram perdidos por alguma razão que ficou pra trás. E todos nós fugimos do silêncio, da espera, das lembranças e das novas promessas. Todo mundo que já perdeu um amor, da forma que for, já enterrou uma parte de si mesmo e se perdeu. A perda é dupla pra quem fica e serena depois de um tempo. Eu acredito que a gente vá dar conta em algum momento. Amores evoluem e se esbarram por aí. Talvez amores perdidos se correspondam, e nós que ficamos sejamos correspondidos. Talvez eles não entendam que se perderam e nos deixaram mais perdidos ainda. Eles não serão mais encontrados. Mas a gente se acha algum dia.
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