Aposta.


Eu podia ter me jogado da janela se você não me pedisse pra ficar. Eu sei que você não faria isso. Faria sim, eu sempre faço alguma coisa sórdida quando você tenta me abandonar. Você precisa procurar um médico urgentemente. Você precisa entender de amor urgentemente. Você chama essa loucura violenta de amor? Chamo. E vai me manter em cativeiro pra sempre? Ou até você puxar o gatilho contra mim ou contra você mesmo. Você só quer sair como a vítima da história para que ninguém saiba que o prisioneiro sou eu. E é? Lógico que sou.  Você pode fazer tudo o que quiser, meu bem, desde que seja aqui dentro de casa. Isso é cativeiro. Eu lavo as suas roupas e dou o que comer e você chama isso de cativeiro? Você me amarra e desliga o meu celular quando me ligam. Você fazia o mesmo na hora do sexo, lembra? Mas era diferente. Não era, não. Eu só desligava a porra do telefone pra ninguém incomodar a gente. E é o que eu faço agora: desligo a casa pra ninguém incomodar a gente. Isso é loucura! Mas no início não era. No início a gente tinha essa liberdade de querer estar com o outro, de amar o outro, de ligar toda hora pro outro. No início a gente abria mão do mundo pra ser do outro, desligava o celular para sermos só de nós dois e era tão comum… Mas agora parece loucura. Parece pra você, mas pra mim parece o rumo natural das coisas. Nada é tão igual ao início, será que você não entende? Entendo e é por isso que eu ia me jogar. Por quê? Ou você se desliga de mim ou se desliga do mundo, porque no fundo eles só estão aqui para atrapalhar a gente, meu bem. Quer uma taça de vinho? Abre a porta e eu me jogo.  Calma, é só uma taça de vinho. Como nos velhos tempos? Exatamente. Então me diz, o que mudou na gente? A gente saiu do início. Porque você quis. Não, porque todo relacionamento sai dessa fase e evolui. E a gente evoluiu pra pior. Não foi pra pior, você é que não entende que as coisas são diferentes agora. Então desliga o celular e esquece o mundo. Desligado. Qual é o problema da nossa evolução? Ela só deixou de ser maravilhosamente boa e passou a carregar os horários, os desgastes, as contas do fim do mês, o cansaço, a cobrança… É por isso que eu sempre te mandei desligar o celular, para que ninguém interfira no nosso mundo. E do que adianta, meu bem? Assim a gente fica protegido de tudo, come as mesmas comidas do início, veste as mesmas roupas do início, lê as mesmas coisas do início e ainda usa os mesmos jornais para falar das velhas notícias. Mas isso seria nos recluir do mundo. Não, isso seria nos conservar do mundo. Então vamos jogar um jogo. Eu topo. Você nem me ouviu falar sobre o jogo. Mas eu adoro jogos, então topo. Deixo a arma em cima da mesa e se um de nós tentar sair pela porta ou pular pela janela, o outro atira. Perigoso, não? Atravessar a porta é evoluir e largar o início e…Pular da janela é desistir e renunciar o início, entendi. Combinado? Combinado.

[…]

Um tiro é disparado.

[…]

A maçaneta girada. E outro tiro.

 

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