E eis que me encontro aqui, em pleno século XXI, sofrendo de um mal visto nas minhas literaturas clássicas. Aquela velha sensação entre o ser ou não ser, a pieguice do velho dilema entre acreditar demais em alguém ou acreditar em si mesmo. O problema são os ruídos. Toda história de amor tem ruídos que podem se tornar barulhos e, posteriormente, gritos agudos e pedidos de misericórdia. Mas, antes que você ache que está lendo uma tragédia grega de cem mil páginas e metáforas, deixe que eu apresente a minha triste história.
Tudo bem. Posso me desfazer de palavras cordiais e ir direto ao assunto. O problema é o meu amor por uma menina pura dessas que a gente não encontra em lugar nenhum e que acredita na inocência do sentimento mais do que acredita nas palavras. Eu sei que tenho essa péssima mania de idealizar meus amores e colocá-los todos em categorias românticas superestimadas, mas ela é diferente. É uma doce menina que me encanta. E me encanta mais ainda quando me deixa tirar suas roupas com olhares cúmplices e desprovidos de pudor. Me encanta quando deita sua cabeça nos meus ombros e declama um pouco de Camões sem fazer sentido algum. Me encanta quando quebra totalmente o paradigma de que mulheres são inocentes e que nós é que desvirtuamos a inocência e entregamos o pecado ao mundo. Me encanta pela ironia e pela peça pregada pelo destino ao dar sua história e seu nome Capitu.
E por aí vocês já podem entender meu drama. Como amar uma mulher que é livre para amá-lo e amar outros homens? Como conviver com essa agonia nos pensamentos ao achar que ela não atende o telefone porque está com ele? Ela não atende o telefone, não responde as mensagens, não dá sinal de vida. E não é bem a primeira vez que essa menina me faz isso. Alguns me dizem que não é vontade, é tormento. Outros me dizem que não é verdade, é alento. E eu me pego tentando transformar neurose em amor. Mas como não duvidar de Capitu, que sempre foi a mais bela das mulheres e também a que mais me amou. E como duvidar de Capitu, que sempre foi sedutora e livre com as palavras. Alguns me dizem que não é loucura, é insegurança. Outros me dizem que não é redenção, é medo de perdê-la. E ciúmes exagerados como o meu não poderiam me levar a outro lugar senão aqui. Deplorável, com olheiras gigantes e sem conseguir domesticar essa agonia que se instaura em mim. Não me basta a confiança: meu ciúme aprisiona o amor. É o mal de querer ao lado quem não quer companhia.
E aqui eu me encontro desejando Lucíola e sua redenção. Desejando Julieta e sua morte desesperada. Desejando viajar pelo deserto como Édipo sem olhos para não ter que ver as coisas que estão bem diante do meu nariz. Desejando qualquer situação que seja mais fácil do que essa minha literatura imaginada. O ciúme estraga o homem e a desconfiança acaba com a figura da mulher amada. Minha linda Capitu que nunca me deixe saber disso. Que me faça morrer de esperança de ser dela e de apenas meu ela ser. Que me faça viver nessa eterna agonia de olhar pros dois lados da rua antes de atravessar e vê-la com outro e vê-la ao meu lado. Que me faça acabar com a sede de descobrir esse mistério egoísta que se passa na minha cabeça. Porque metade de mim é certeza e a outra metade é loucura. Porque eu sou inteiro por ela e dela não posso me desvincular. Porque essa traição de Capitu seria o meu fim e o fim de personagem qualquer. Mas essa obsessão já atravessa tempos e de homem em homem permanece viva por aí. Mal sabem as nossas Capitus.