Adeus você.


Onde está aquela menina de olhos vibrantes que acreditava em mudar o mundo e em chás mágicos que desintoxicam e curam ressaca? Onde está aquele cara que andava de camisa xadrez e fones de ouvido retrô e acreditava em pizza de madrugada e em fantasmas de filme de terror? Acho que eles sumiram por aí. Alguém fechou o livro e eles voltaram a ser personagens de si mesmos: presos no seu próprio mundo sem ninguém pra dividir as suas histórias.

A gente nem se fala mais. Nem sabe por onde caminhar agora. Acho que estamos num dilema entre pular de um abismo juntos ou parar na linha do trem exatamente na hora em que ele está chegando. O meu olhar vidrado denuncia que alguma coisa grave aconteceu e a sua recusa em receber meu toque também. Nossos olhares se cruzam como se fossem constrangedores, da mesma forma quando dois desconhecidos se encaram e rapidamente desviam o olhar com medo de serem acusados de algum crime inafiançável. Essas nossas fotos rasgadas e espalhadas pela casa cortam mais que cacos de vidro. Aliás, dói demais olhar pra qualquer lembrança nossa que desminta essa realidade bruta da sala de estar. O dia tá nascendo, morena. A pequena fresta da janela tá servindo pra deixar entrar alguns raios de sol. De nada adiantaram as cortinas pesadas, os quadros nas janelas: no final, a verdade sobre a gente ia acabar aparecendo.

Foi amor. Eu sei que foi. Tô vendo em você aqui, parada na minha frente, que foi amor. Você não aguenta mais chorar. Eu não aguento mais sentir isso tudo. A gente não sabia que seria tão forte. Nenhum dos dois desistiu disso. Só que acabou. E não tem como voltar atrás ou tentar ressuscitar isso ou tentar de novo. É meio frustrante isso: saber que eu te amo, mas que a gente não funciona junto de jeito nenhum. Antes fôssemos como fogo e pólvora. Mas não, a gente é como água e fogo. Não tem como! A gente vai sempre se ferir e levar um pouco do outro junto. A casa está em pedaços. Nós estamos em pedaços.

Nos demos conta no exato momento em que tudo desmoronou. Não sei se foi Abril ou Maio, mas foi naquele dia em que a gente se beijou e, repentinamente, o teu gosto me sumiu da boca. E você percebeu que aquela eletricidade bonita que ligava a gente não existia mais. De lá pra cá fomos nós tentando desviar das curvas e andar por terrenos firmes que não desmoronassem. Aumentamos a dose de “eu te amo” e até evitamos aqueles seus amigos chatos e fingidos que eu tanto odiava. Eu até deixei de tomar cerveja pra comentar o fim da novela das 8 com você. E os ciúmes desapareceram. E retornaram em forma de pratos quebrados e cortes no meu braço. Lençóis manchados de lágrimas e nós dois, orgulhosos que somos, sem querer admitir que acabou. E agora? Eu não sei mais seguir em frente sem olhar para o lado e te encontrar. Você não sabe mais acordar sem as minhas cócegas que provocavam um espirro rápido e divertido. Mas nós vamos aprender. Eu sei que vamos.

Está na hora de abrir as cortinas e colocar as coisas em caixas pesadas. De ligar de vez em quando e saber como é que vão as coisas e as contas. De falar pro analista coisas que nem Deus suspeita. De fazer com que a sua mãe me odeie mais ainda por ter te deixado ir. Meus amigos vão sentir tua falta. Seus novos amores vão se sentir aliviados por eu não existir mais na sua vida…

Adeus, meu bem.

E daí nós levantamos e nos encaramos por última vez. E só se ouve o som de dois corações se partindo.

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