Todo carnaval tem seu fim.


Porque a história do amor só pode se escrever assim: um sonho de Pierrot e um beijo de Arlequim. 

Ao som de “Todo carnaval tem seu fim”

Bailes de máscaras são sempre as mesmas coisas. Velhotes cantando hinos de uma época de glória em suas vidas. Pessoas fantasiadas tentando esconder sua melancolia e viver uma vida sem problemas que durava por alguns dias do ano. Era também uma desculpa dos brasileiros preguiçosos que só queriam trabalhar depois desta data. Era também uma desculpa para uma mini-vida sem regras e de extrema alegria não justificada. Ele pensava nisso tudo enquanto todos os seus amigos dançavam alegremente pelo salão e seu copo de whisky ficava quente. Era bonito e tinha aquele charme bucólico de quem está perdido numa cidade grande. Fantasiou-se dele mesmo, sem nem saber. Pierrot triste com o rosto pintado: metade eram motivos e a outra metade eram histórias antigas. Achava que parecia mais com o Arlequim na vida real. Pobre engano: suas noites sem dormir desde a última confusão amorosa não o deixavam negar. Já haviam passado centenas de Colombinas vestidas iguais e mais outras centenas de Arlequins e Pierrots atrás delas. Ele era um Pierrot diferente: pintou uma lágrima bem vermelha, lágrima de sangue. Se fosse para viver a personagem, que fosse dramatizando de forma genuína.

Não fossem as trezentas bolas coloridas que caíram em cima dela ou os garçons parados boquiabertos, talvez ele nunca a tivesse percebido. Do outro lado do salão, uma colombina brilhava e chamava a atenção de todos os outros. Ele não sabia dizer se eram seus lábios avermelhados e chamativos, se eram suas luvas douradas, se era sua máscara que parecia feita especialmente para ela. Seu rosto, invisível atrás da máscara, predominava com as formas dos lábios e das bochechas. Era uma mulher linda, ele não tinha dúvidas. Mas encontraria logo um Arlequim qualquer que estivesse disposto a cortejá-la pelo resto da noite. Enganou-se. Ela viu algo nele, de longe. Ela sabia o que tinha visto: de todos eles, parecia ser o mais sincero com sua fantasia. Fantasiar-se de si mesmo e enganar o mundo. Ela também tinha feito isso. Mas não queria mais alegrias, nem o corpo de Arlequim. Queria um Pierrot sincero, meio triste, meio magoado, mas que a fizesse feliz. Não, esse não era o desejo dela naquela festa. Era o desejo dela para sua vida amorosa desde que se entendia por Colombina. E quando ele foi ver, já estavam se apresentado. “Duda, prazer em reconhecê-lo”. “Pedro, prazer em encontrá-la”.

Não mais perdidos, não mais confusos. Dois estranhos em seu ninho. O Pierrot não chorava pelo amor da Colombina, nem essa escapava dele. Pelo contrário: queriam se conhecer até que aquela valsa se acabasse. Não queriam que tirassem as máscaras. Suas fantasias reais estavam por trás delas. E bailaram. E sentiam aquela estranha sensação de amor de carnaval. Não quiseram se conhecer mais profundamente: o folclore já tinha feito o favor de ensinar ao outro a sua história. Mas dessa vez, queriam ser controversos. Queriam escrever uma história só deles, sem interferência de uma terceira figura fantasiosa. Sabiam seus nomes e isso bastava. O salão era só deles e de mais ninguém. Ele a olhava nos olhos, onde encontrou a cura da sua insônia. Ela o olhava nos olhos, onde encontrou resposta pro seu vazio. Amor de carnaval não sobe serra mesmo quando não tem serra? Eles não sabiam e nem tinham tempo pra pensar nisso. O corpo dela parecia adaptável as suas mãos. Os braços dele pareciam fortes o bastante para conduzi-la aonde quer que ela fosse. Ela decidiu limpar sua lágrima, com dedos sinceros. Ele se assustou com a promessa. Ela deu um sorriso firme que dizia para confiar nela. Ele não conseguia tirar os olhos de seus lábios. E colou os dele nos dela. E a música parou. E os olhos não se abriram mais.

De um lado do salão, ele imaginava como seria se aquela Colombina fizesse parte da sua história. Do outro lado, ela imaginava se a sinceridade daquele Pierrot sentado era o que ela precisava para ser feliz. Covardes, os dois resolveram ignorar suas vontades porque já conheciam as histórias de suas personagens. Suas esperanças foram enterradas por um medo bobo de acreditar na beleza do carnaval e no destino daquela história. O Arlequim talvez pudesse tê-los ensinado alguma coisa com suas travessuras e com sua alegria. Mas eles não gostavam tanto assim do Arlequim para dar alguma atenção a ele.

E daí a música parou. E deu meia-noite. E chegou a quarta-feira de cinzas. Afinal, todo carnaval tem seu fim.

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