O clichê bateu na porta já na segunda-feira, anunciando que o último dia de folia estava chegando, junto de um monte de frases feitas. Eu estava assistindo Netflix, largada no sofá, ignorando o fato de que enchia meu travesseiro de purpurina – e que isso custaria umas doses cavalares de sabão em pó e água limpa (desculpa, Mundo!).
O glitter era de ontem. Eu tomei banho, mas não saiu tudo. Xinguei? Xinguei! Reclamei da vida? Reclamei! Sentia um cansaço gritante no corpo, os pés cansados, as costas doloridas e uns roxos na perna – fruto de um tombo no meio do bloquinho. Tudo em mim me fazia lembrar dos dias de folia, tudo! O coração ainda pulsava no ritmo da bateria. O cheiro de cerveja revirava meu estômago – numa eterna ressaca tardia…
A bem da verdade é que eu estava um pouco de saco cheio de toda essa folia. Todo ano eu jurava ser o último, e todo ano eu colecionava mais um carnaval na conta. Eu me divertia? Eu me divertia! Decorava os enredos, caprichava na fantasia — pretinho básico e purpurina, né mores?, metia uns adereços comprados de última hora e saía para a rua.
Esse ano choveu, mas eu estava lá. Xingava eternamente, mas mantive o sorriso. No terceiro segundo de chuva, até esquecia da água que caia. Carnaval tem dessas coisas, nada dura para sempre – tirando a purpurina. São dias de alegria e de máscaras muitas, mas já percebeu que as pessoas usam máscaras para poder – veja só que ironia – desmascararem-se?
Ninguém pensa se está fazendo papel de bobo, se a fantasia não combina com o tênis comprado na última liquidação, se a maquiagem deu uma borradinha por causa da chuva. As pessoas vestem-se de si mesma, capricham no brilho, no sorriso e na dança, mesmo sem saber dançar. Todos arriscam o samba, fazem amizades estranhas e trocam juras de amor eterno, entregando-se sem medo para o Pirata, para a Chapeuzinho Vermelho, para o Coelhinho — e para a doida de preto toda purpurinada.
O fato é que o clichê veio chegando, junto de um monte de frase feita. Eu assistia uma série qualquer e vagava com a mente longe. Pensava no tanto de intensidade que vivi em mais um carnaval que passou e torcendo para que as pessoas não tirassem as máscaras que vestiram: quero mesmo é que todos continuem sendo quem são, sem medo.
Que dancem, que se divirtam, que se declarem. O mundo vive intensamente, em quatro dias, porque sabe que vai acabar e não há julgamentos. A vida, meu caro, também acaba. Em quatro dias ou quatro anos. E você vai vestir-se de si mesmo durante a folia e usar fantasias o resto do ano?
Você também pode gostar desse assunto. Assista ao vídeo abaixo: