Outro dia desses cinzentos com cara de sol preguiçoso que não quer sair. Só mais um dia comum dentre vários nessa gama gigante de cores de céu. Me lembro que um dia o azul já foi meu preferido. Parece que foi ontem que eu tinha alguma esperança em achar graça das bobeiras de alguém. Mas foi há muito tempo atrás. Faz muito tempo desde que não sorrio por um sorriso desconcertante que alguém me lançou.
Acho que eu me fechei de verdade. Acho que eu me fechei de vez. Passei das cinzas pro preto do luto. Não consegui renascer. Não consegui me fazer sol novamente. Engraçado, porque eu penso nisso tudo com um sorriso no rosto. E acabo nem reparando que a sacada da minha varanda dá de frente pra casa de uma florista. Com tantas cores ela deve ser feliz. E, se não for, pelo menos encontra felicidade em sua palheta de arco-íris. Eu sempre tive dificuldades em enxergar algo além do preto e branco das coisas.
Mas e daí que eu não tenho esperança nem vontade de me encontrar por aí em outro corpo ? E daí que eu me acostumei com essa condição de solidão que me conforta. Sabe, até a solidão precisa de companhia. E é isso que eu faço muito bem: não deixá-la sozinha. Mas minha solidão não é triste, não é patológica, não é espiritual. Minha solidão é parte do que eu sou. Verde pra quando brota alguma esperança angustiante ou dourada pra quando eu encontro algum sorriso que promete me bater à porta. Mas branca, na maioria das vezes, pra segurar a minha mão e dizer nada. Pra me dar um abraço enquanto eu recuso essa condição de precisar de alguém.
Esse efeito degradê das cortinas do quarto enquanto o sol se põe é um espetáculo precioso. Não sei porque ainda não o guardei entre quatro paredes para mostrar pra ela quando finalmente a encontrar. Aliás, sei sim. É porque não acredito que exista alguma ela. Que exista a famosa “the one”, whatever it takes. Eu acredito é que uma cor diferente pode aparecer no meu sistema cromático, bagunçando tudo, me enchendo de curiosidade. Daí se essa cor vai ficar, me manchar ou me colorir, eu já não sei.
Deito a minha cabeça nesse travesseiro pesado. Acho que amanhã eu o trocarei por outro, mais macio. Afinal eu sempre fui desses que afunda a cabeça em nuvens e não consegue conviver com a dureza da realidade. E vai me batendo um sono, daqueles meio avermelhados… Um sono daqueles meio envergonhados por não ter ninguém pra dividir a minha cama king size. Acho que vou cortá-la ao meio e esperar alguém chegar pra querer juntar tudo de novo. Esperar alguém chegar pra colorir o lençol de vinho derramado e transparente de gotas de suor e saliva. Acho que vou esperar um pouco pra divagar mais tarde.
Divagar. Devagar. Din Don.
É a campainha. E lá vem ela com uma aquarela de cores que eu nunca vi. E lá vem ela, mais uma vez, pra me convencer que pode me pintar como tela. Mas dessa vez você trouxe vinho e a sua cor. E deixou a aquarela de lado quando me viu deitado. Será que ela vai conseguir juntar minha cama de novo, apagar o vermelho do meu sono, pintar um nariz de palhaço em mim e me iluminar feito sol com o seu sorriso ? Será que ela vai adivinhar que guardei meu balde de cor num armário velho da cozinha, esperando que alguém o achasse e atirasse a tinta em mim ?
Devagar. Divagar. Splash.