Acho melhor você não ficar


“Acho melhor você não se apaixonar por mim. Eu, definitivamente, não sou a pessoa certa pra você.

Você vai me olhar com aquela cara de quem nunca viu o sol e eu vou te deixar com um sorriso de 1001 noites ensolaradas. Você não vai entender de jeito nenhum o que está sentindo por mim. Vai ser amor à primeira vista, meu bem.

Se assim não for, garanto que vai começar como um jogo. Vou fazer alguma aposta imbecil com algum amigo mais imbecil ainda e vou tentar te conquistar. Vou aparecer de repente, num cenário improvável e te dizer coisas bonitas sobre o mundo. Vou te chamar pra jantar em céu aberto, chamar o vento pra te fazer uma canção, olhar você com os olhos de quem deseja e de quem ama. Vou te ninar com alguma melodia de piano, deitar do teu lado devagar e colocar as mãos no teu peito. Não vou me mover, não vou fazer barulho algum. Só vou deixar que as batidas controlem o ritmo dos meus beijos; que o teu afeto controle o ritmo do meu jogo.

Daí, meu bem, acho que você já vai estar apaixonada. E vou te mostrar uma infinidade de palavras que você nem imaginava que existissem. Vou fazer um comentário bobo sobre o seu filme preferido e sobre o fato de você odiar que coloquem gelo no seu refrigerante. Eu vou escancarar as portas da tua casa, acampar na tua sala e fazer do teu corpo a minha fogueira em noites frias. Vou fingir que eu realmente me importo com tudo o que você me fala. Vou aprender alemão pra te surpreender. Vou fazer com que eu seja tudo o que você precisa.

Depois de transformar a mesa da tua cozinha em tapete de nuvens; depois de te fazer deitar nos meus sonhos muito bem arquitetados; depois de te jurar amor como quem faz oração… Meu bem, eu vou te fazer cair do paraíso diretamente no inferno da realidade.

Não vou mais atender as tuas ligações. Não vou mais rir do seu choro sentimental ao final de algum filme água-com-açúcar. Você vai me ver com outras, eu vou ser de todas e nunca mais serei só seu. Eu vou virar teu pesadelo constante, vou delimitar os lugares onde você deixará de ir só pra não se lembrar de mim. Vou fazer com que eu seja tudo o que você precisa e não pode ter.”

Esse bilhete eu ponho na porta da minha casa na esperança de que você leia. Eu sei, meu bem, que eu não sou assim, que eu não sou nem um pouco assim… Mas devo admitir que eu me perderia entre todas as minhas palavras se você resolvesse entrar e quisesse sair no momento seguinte. Devo admitir que tenho mais medo de que você me deixe do que qualquer outra coisa.

Eu sei que é auto-sabotagem, meu amor. Mas a minha criação amorosa pede que eu finja não amar você. Sei que esse aviso é mentiroso, enganoso, egoísta e infantil. Mas me diz se seria eu, caso não tentasse te afastar por receio de que você chegue perto demais. Sou só eu me enganando mais uma vez. Finjo que não ligo, que não preciso de alguém, que sozinho eu sou mais feliz. Na verdade, eu tenho é receio dos meus sonhos, das minhas vontades. Eu anseio por você. Eu preciso de você. Mas não poderia sequer pensar em te dar a minha chave por correr o risco de você ser só mais uma história da minha complicada vida amorosa.

Faço desse aviso o meu último. E tranco a porta para me deitar. Se chegar, espero que você o leia. E se, mesmo depois de toda essa previsão nebulosa e utópica que criei para não me ferir, você quiser entrar… Não precisa bater. Deixei a janela aberta. Lá não existe aviso prévio nenhum. É só você decidir se vale a pena dar a volta pela casa para se deitar comigo.

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