Quando você parou de frequentar o meu corpo


O tempo e a distância é a mãe dos dragões dos relacionamentos. Nada é mais poderoso que isso. Tirar férias de si mesmo é impossível, mas se colocar num centro de controle, dar visibilidade de toda situação, rodeado de telas passando sem cessar cada momento, desde o dia que se conheceram até a primeira vez que perderam o respeito um pelo outro.

Cada monitor uma cena diferente, algumas borradas porque eles apenas são o reflexo de nossas memórias que por vezes imprimem aquilo que querem imprimir. Por vezes nos faz enxergar pontos de vistas tão absurdos, que só é possível quando estamos soterrados em uma ânsia de querer pôr fim logo a tanta dor.

O fato de não estar vivenciando também ajuda, claro. Somos apenas telespectadores e juízes de nossa própria existência, confortavelmente sentados numa poltrona de baixo orçamento, dando notas a cada uma das cenas, e reescrevendo diálogos como se fosse possível voltar em algum ponto da história e regravar aquela cena.

O que é que eu diria no dia que pedi pra você ir embora pela primeira vez? O que é que eu faria, quando ao discutir naquela feira, eu não tivesse ido te procurar, arrependida, minutos depois? O que você faria se soubesse que aquela vigésima despedida era de fato uma despedida e que nunca mais nos encontraríamos de novo? Você ainda me daria aquele DVD se quisesse ficar comigo de novo?

Somos agentes da nossa própria história, é verdade, mas nossas ações começaram a ser automáticas, como se soubéssemos as nossas falas de cor, quando apenas deixamos de nos importar. Paramos de importar se aquela frase machucava o outro, paramos de importar se nos veríamos apenas nos fins de semana paramos de nos importar se dormiríamos brigados.

Eu fico me perguntando quando foi que tudo acabou, enquanto encho o copo e continuo analisando as telas, enquanto continuo analisando a sua linguagem corporal, me perguntando quando foi a última vez que o meu único desejo era que você me desnudasse.

Quando foi que eu parei de me sentir desejada. Quando foi que suas mãos foram do ponto em que enquanto eu escovava os dentes você tocava de leve o meu ombro, só pra continuar sentindo um pouco da minha textura (sic) para o ponto em que nossas mãos nem frequentavam mais os mesmos bairros.

Quando você parou de frequentar o meu corpo.

Eu fico me perguntando se foi aquela chuva que fez a gente mudar de ideia. Se foi esbarrar em mim na Augusta num fim de semana que tinha tudo pra ser normal. Se foi a sugestão do meu Instagram novo fazendo parecer que era o universo dizendo pra gente voltar, ou se, a essa altura, já cínicos demais, você deletou a notificação, eu continuei caminhando, para lados opostos, porque deixamos de nos importar.

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