A gente não tem mais coração


 
Um tempo atrás escrevi um texto sobre sexo casual e como achava a prática interessante desde que as pessoas soubessem lidar com isso sem se apaixonarem a cada transa. Lembro que eu chamei esse tipo de pessoa “evoluída” e alguém – com certa razão – questionou esse termo, dizendo que, ser “sem coração” não era uma coisa boa e não deveria ser comparado a uma evolução da espécie. Entendi o ponto de vista, mas não concordei totalmente com a pessoa. Afinal de contas eu sempre fui uma grande coração de pudim, dessas que se apaixona por quem dá bom-dia e adoraria poder evoluir meu pokemon interno e ter um coração mais durinho. Então pra mim pra mim era sim uma evolução e isso podia ser uma coisa boa.

Aí eu conheci o *Felipe.

Felipe me foi apresentado pelo meu namorado. Não posso dizer que foi “amizade à primeira vista”, alguma coisa nele era um pouco fora do tom, mas ele foi simpático (a sua maneira) e quis que saíssemos com ele e sua namorada para jantar. Nós aceitamos o convite.

No dia do jantar meu namorado me deu uma notícia. Felipe queria sair com a gente na outra semana, mas dessa vez com sua amante.

Amante? É, isso mesmo.

Aquilo me pegou tão desprevenida, no meio da minha arrumação para o tal do jantar, que eu disse que tudo bem. Mas alguma coisa ficou latejando na minha cabeça.

Durante o jantar eu ficava olhando para aquela moça que eu tinha acabado de conhecer e não conseguia parar de pensar na história da amante. Aquela moça sorridente e tímida, que enfrentava três horas de viagem todo final de semana pra ver o namorado não merecia aquilo. Ninguém merece. Foi então que caiu a ficha. Não, claro que eu não iria sair com Felipe e sua amante. Eu não podia fazer aquilo com aquela mulher na minha frente. Não era minha amiga, nem colega, nem mesmo uma conhecida, mas eu não podia participar daquela farsa como se isso tudo fosse normal.

Assim que eles foram embora avisei para o meu namorado da minha decisão e ele disse que também não se sentia confortável com a situação. Avisamos então o Felipe. Ele ficou triste e ainda tentou nos fazer mudar de ideia, disse que a gente não precisava se preocupar porque ele não estava mais ficando com a tal da amante, eles eram só amigos agora e de qualquer maneira ela também tinha namorado.

Aí é que o caldo entornou mesmo.

Não, pra mim não dava. Não acho que era meu lugar contar para a moça que eu acabei de conhecer toda a verdade, mas certamente eu não precisava me envolver naquela bagunça.

Assim que fiquei sabendo desse rolo todo lembrei da história das pessoas “evoluídas x sem coração” e entendi melhor o lado da pessoa que questionou minha escolha de palavras. A gente vive uma época em que as pessoas usam a desculpa dos “tempos modernos” para serem cruéis. Nós tiramos proveitos de novas formas de se relacionar que vão se tornando populares e distorcemos seu significado para caber melhor nos nossos caprichos. A gente esquece (ou escolhe ignorar) que a pessoa do nosso lado também é um ser humano.

Porque ter um (ou uma) amante requer certo sangue frio, agora convidar seus novos amigos pra conhecerem sua namorada num dia e sua amante no outro… e a prova de que a gente realmente não tem mais coração.

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