[Você pode ler este texto ao som de Don’t You Remember]
Ficou seu livro do Bukowski. Na estante da minha sala, entre o Leminski e a Lispector. Até pensei em te ligar e falar que cê podia passar aqui em casa pra buscar, que eu podia oferecer café e umas horas de papo bom, como aqueles que a gente costumava ter. Mas não liguei – ainda que eu saiba que era um dos seus livros favoritos – porque eu achei que, só pra variar, eu merecia chegar ao final de alguma coisa por escolha própria. Nem que fosse de um livro.
Além disso, Deus sabe como meus pedaços andam precisando de um pouco de poesia.
Aquela camiseta tua que eu gostava de dormir, sabe? De vez em quando, eu a tiro do fundo da gaveta só pra conferir se seu cheiro ainda tá aqui (ainda tá, acredita?), como um pedacinho de você que nunca vai embora. Daí guardo a camiseta no minuto seguinte e finjo que nunca fiz isso. Admitir que sinto falta do seu cheiro seria o mesmo que admitir que sinto falta de você. E não sinto. Eu juro.
Mas admito que peguei pra mim aquelas três meias que cê deixou no meio das minhas coisas. Eram meias muito boas, dessas que esquentam bem meus pés nessas tantas noites em que não posso simplesmente esfregá-los nos seus antes de dormir.
Ficaram todos aqueles vinhos que cê ia deixando aqui pra qualquer dia, pra qualquer hora, pra quando a gente não estivesse a fim de sair ou quando cê viesse dormir em casa ou simplesmente quando o dia tivesse sido muito difícil. Os dias foram bem difíceis depois de você, então tomei muitas taças por conta própria. Pelo menos pra beber, nunca precisei de ninguém.
Três camisetas, uma calça jeans, duas cuecas e uma bermuda. E aquele barbeador elétrico que já tava meio velho. Seu pen drive cheio de músicas de umas bandas alternativas que cê queria que eu escutasse no carro (nunca escutei). E a sua caneca preferida (aquela que eu quebrei um pedaço no último susto que cê me deu, mas mesmo assim você não quis jogar fora). Um tênis – que ninguém nunca mais usou – e um caderninho de anotações em branco, que cê tinha acabado de comprar.
Ainda tá tudo aqui – você nunca fez questão de pegar. Quis sair rápido da minha vida, daí foi deixando um monte de coisas pra trás (inclusive eu).
Até me disseram pra eu queimar, jogar fora, entregar pra doação. Mas não fiz nada disso, não. É tudo seu quando quiser buscar. Sei que o desamor nos quer como bichos irracionais, e vez em quando a vontade é muita, mas me mantive civilizada. Segui aquela coisa bem clichê de guardar quase tudo em uma caixa e deixar na parte mais alta do meu armário.
Nosso amor virou isto.
Uma caixa no armário.
As lembranças que não vão.
E meus textos.