[Você pode ler este texto ao som de Touch It]
Quando fechei as janelas do quarto, percebi que já não havia claridade suficiente aqui dentro. Parecia pouco demais quatro lâmpadas espalhadas pelo cômodo, mesmo eu sabendo que não seria a mesma que a luz natural que vem de fora para dentro.
É engraçado pensar assim porque a gente vive gritando por aí que importa o que somos por dentro, não vivemos? Dane-se as coisas do peito para fora, que se ferre o que não faz parte aqui de dentro. Se não faz morada, que importância tem? Importa que faz a gente se manter vivo.
Certa vez eu tentei trancar minha vida aqui dentro. É bonito no início, passamos por um processo de descoberta particular que não teríamos com o outro. Mas depois de uns dias o escuro incomoda. Nos enxergamos por dentro, sim, só que falta um pouco de clareza. Não somos a mesma coisa sem que alguma luz de fora produza sombras aqui dentro.
Aproveitei os dias sozinho para aprender a me localizar outra vez. Só depois de um tempo percebemos que uma hora queimamos a nós mesmos também. Não havia o brilho dos olhos dela trazendo luz a alguma coisa aqui dentro, não existia holofote nenhum que me iluminava de fora. Me sentia uma vaga-lume solitário, voando por aí, com o próprio corpo ardendo em brasa, pronto para evaporar.
Demorou um tempo para eu tomar coragem de abrir as venezianas de novo, acordei soluçando e com o peito acelerado quando aconteceu. Até perceber que às vezes cometemos essa covardia com nós mesmos: achar que conseguiremos nos manter vivos sobrevivendo daquilo o que somos. Só somos.
O que aprendemos no fim é isso: podemos ser bons para nós, sim, mas de que adianta se não ofereceremos o que temos de melhor para o mundo lá fora? A vida não é sobre receber coisas boas, é sobre fazê-las pelos outros também.
Hoje eu deixo as aberturas escancaradas aqui dentro.
Retruco ódio com um sorriso imenso quando viram o rosto para mim.
Retribuo sorrisos com um pouco de amor.
Deixo que iluminem as coisas aqui dentro do jeito que bem entenderem. Se não fizerem questão, eu consigo me manter aceso sozinho por um tempo.
Uma hora a gente aprende que existem pessoas boas demais para serem privadas daquilo o que somos de melhor.