[Você pode ler este texto ao som de All Comes Down]
A única coisa que eu lembro é do modo que ela baixava os olhos e corava em toda vez que ficava sem jeito. Depois de um tempo a gente vai deixando de lado todas as partes ruins, todos os pratos atirados no outro feito uma comédia grega, todas as vezes que ameaçamos jogar as decorações no chão e deixar tudo despedaçado no assoalho. Fica o lado bom, a parte bonita que vale a pena guardar para contar pra alguém no futuro. Acabou, mas a gente foi feliz enquanto era possível se enxergar nos olhos do outro.
Ela é uma dessas memórias bonitas que eu carrego aqui dentro, um fim de semana embaixo das cobertas porque atacou a rinite e a gente precisava esperar passar, um domingo no parque em que esquecemos que as coisas terminam um dia. A gente perde tempo demais na vida tentando enumerar todos os amores das nossas vidas para eleger o que valeu a pena de verdade, enquanto deveríamos mesmo é reconhecer o quanto cada um deles mexeu e revirou as coisas dentro da gente pra sempre.
Todo amor vale a pena, por mais que comece a cortar um dia. Às vezes a gente se perde do outro numa das rasuras do tempo, de vez em quando nos desencontramos e não conseguimos mais encontrar o caminho de casa. Mas existe uma vida inteira antes disso, por mais que tenha durado três meses ou três anos. Existe um universo inteiro que nos foi apresentado e que vai mesclar com tudo o que vivermos daqui da frente. Às vezes alguém fere a gente e vai embora. Às vezes a pessoa cura um pouco das nossas feridas e vai embora também.
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Lembrar da parte bonita faz a gente decretar certeza de que valeu a pena. Todo mundo que passou por nossas vidas deixou alguma coisa bonita, nem que seja o sorriso num bom dia desajeito num sábado de manhã, nem que seja num boa noite gaguejado do outro lado da linha quando a perspectiva mesmo era dividir a cama com a solidão. De vez em quando precisamos forçar a memória pra lembrar, de vez em quando jogamos uma cruz tão grande em cima da tal pessoa depois de tudo que fica difícil crer nisso. Mas, vai por mim. Vai pelo teu coração ou sei la o quê que você costuma seguir quando bate saudade.
Eu me lembro do modo com que ela baixava os olhos e corava, você pode lembrar de um jantar improvisado numa segunda-feira qualquer em que o café preferido de vocês fechou pra balanço. O que importa é a lembrança. O que importa é que sempre alguma coisa vai ser mais forte dentro da cabeça, alguma coisa sempre vai berrar felicidade no passado.
Entendo que algumas pessoas passam pela gente pra rasgar a pele e deixar marcas, mas se nos permitimos ferir é por que em algum momento chegamos a pensar que seria dessa vez. Talvez a memória bonita da pessoa seja de nós mesmos, mas isso não importa muito. Importa que todo mundo colore o nosso passado de algum modo. Importa que nem todo mundo merece ser fantasma pra sempre.
Lá pelas tantas aprendemos a reconhecer um pouco de felicidade em cada um dos momentos de nossas vidas. Lá pelas tantas percebemos que é burrice tentar delegar aos nossos amores lugares em uma lista que não significa nada. Se foi amor em algum mísero momento, deve ter sobrado alguma lembrança boa.