Só hoje eu já te quis mais de mil vezes


Depois de te deixar ali naquele ponto, depois de sentir teu abraço grande, quente, envolvente, teu beijo que tanto se encaixou no meu perfeitamente, depois de criar um elo intenso, ainda que rápido, em que não era preciso dizer muita coisa, apenas sorrir e deixar o ensurdecedor silêncio gritar, sobretudo dentro do peito, depois de tudo isso, que durou cronologicamente tão pouco, voltei, naquele dia nublado e frio, por aquela rua cinza cheia de prédios. Segui por toda sua extensão, cruzando todas as vias e bairros, um tanto sem rumo, agora num silêncio mudo. Eu não tive tempo de dizer o quanto odeio despedidas. E o quanto uma parte minha eu deixei com você, talvez para que sempre se lembre, ou talvez para que, num dia de verão ou inverno, ou tarde de primavera ou outono, aqui, aos pés do Redentor, ou no Ibirapuera ou num ponto da Paulista, a saudade possa nos reaproximar e trazer você de volta – e eu de ida.

Como eu ia dizendo, voltei por aquela rua, cheiro do mar tão próximo, que de tão perto intensificava ainda mais o frio, entupida de pessoas que não se viam, estavam todas elas ocupadas com seus compromissos diários, correndo feito loucas desvairadas para dar conta do que estranhamente chamam de vida. Eu perdido caminhava por aquela rua, que não me cabia, mas era a que eu sabia que me levaria daquele bairro que não mais te hospedava, porque você partira, e me partira com sua ida. Ainda mais longe de ti era onde me encontrava contigo, nas lembranças recentes dos dias que esteve ao meu lado. Naquela rua, eu constatava, não sem tristeza, que amei perdidamente a hipótese de ter te amado e que daria tudo, tudinho, para que estivesse no aqui-agora. Só hoje eu já te quis mais de mil vezes. E mais de duas mil vezes não te tive.

Ainda naquela rua, passei pela minha cafeteria preferida, pensei em tomar um café bem quente, com toque de baunilha e flor de sal, acompanhado de um bolo, um bolo qualquer, não importa de quê, mas tomar café seria tirar teu gosto, e eu não queria tirar o gosto do teu beijo da minha boca; queria te deixar um pouco mais comigo, o quanto eu aguentasse, até o momento que se fundisse e, de tal modo, não mais conseguisse esquecer teu sabor, nem teu cheiro, nem você. Continuei por aquela estrada e, no caminho, comprei uma rosa vermelha, aquela que covardemente não comprei quando fui te encontrar, para que ela lembrasse você na minha cabeceira. Tempos difíceis esses em que temos medo ou vergonha de demonstrar nossos sentimentos. Talvez por isso que algumas pessoas escrevem.

Pois escrevo para você, dizendo assim: já estou com saudade, e não é hipérbole ou carência, é saudade mesmo, aquela que só a língua portuguesa tem. E é tão urgente o que digo que não sei mais se escrevo este texto ou se ele me escreve. Ainda que não me entenda, apenas saiba de uma coisa: te quero bem, te quero tanto, e igualmente te quero mais uma vez, aqui, pela curvas de uma orla que se assemelham às suas curvas, ou aí, na agitação de uma cidade que se parece com a nossa, ou no entre. É porque se ainda vigora o que canta a poesia, que não existe amor em SP, provavelmente também não exista no RJ, mas de certo que pode acontecer no meio do caminho entre mim e você.

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