Disseram que eu era forte por precisar conviver quase que diariamente com você. Mais que isso: disseram que eu era forte porque, dentro deste convívio, por questões do ofício, eu precisava lidar intimamente contigo. Certamente você também achava que era muito forte. E drasticamente ria da minha posição, como fez todas as vezes; como fez quando me deixou esperando naquela noite fria de inverno, que de tão fria e distante, congelou-me inteiro por dentro agora; como fez quando, individualista, arrumou todas as minhas coisas e prontamente colocou junto à porta, desprezando-me, descartando-me como se faz com um objeto antigo, sem valor, sem afeto. Toda a minha vida cabida dentro de uma mala e uma pequena caixa, porque tudo que eu era de grandioso você fez questão de diminuir. Ainda assim tenho que estar ao seu lado, sorrir pela posição que ocupo, fazer-me de contente, embora a cada toque de sua mão na minha é uma apunhalada certeira que levo no peito. Disseram que eu era forte, mas ninguém sabe as dores que trago na alma; ninguém nunca sabe das nossas profundezas, dos nossos abismos sem fim, dos nossos próprios precipícios, das cicatrizes deixadas e, por vezes, nunca sanadas. Mas disseram que eu era forte, mesmo sem saber do frio interno que me toma quando se aproxima, do ar que se torna rarefeito, das minhas pernas que insistem em não responder ao meu comando – como se eu pudesse comandar algo na vida; nem de mim eu tenho posse, porque o que eu era, dei para ti. Disseram que eu era forte porque conseguia sorrir estando ao seu lado – mas a vontade mesmo era de chorar -, porque eu conseguia manter a aparente paz – mas dentro de mim existia o maior dos vulcões prestes a eclodir -, porque eu me mantive alto e altivo dentro daquela relação arruinada – mas eu estava mesmo destruído, completamente aniquilado por quem dei uma vida: você. Disseram que eu era forte sem saber que meu desespero era estar ao seu lado. Disseram que eu era forte porque não mostrava minha dor maior na frente dos outros, sem imaginar que quando não mais suportava sua existência, e até mesmo a minha própria existência, chorava escondido, no escuro, como se me envergonhasse daquela dor. Disseram que eu era forte porque eu conseguia vê-lo com seu novo-alguém e não desmoronar – é porque não há para onde ir quando se já é ruína, pó e nada. Disseram que eu era forte por ter conseguido suportar a nossa inexistência. Insistem em dizer que sou forte até hoje, em que nossa inexistência vai existindo cada vez mais. Insistem em dizer que sou forte, porque suportei e suporto suas delicadas apunhaladas – é que talvez eu tenha encontrado o ponto, aquele ponto, em que seu golpe não me abre mais carne, agredindo agora o vácuo que deixou em mim. Insistem em dizer que sou forte; talvez um dia eu consiga; ou me reconheça mais são do que pressuponho. Insistem em dizer que sou forte, mas minha maior fragilidade foi ter cedido ao seu encantado. Eu não fui forte para o amor; fui valente para te amar, e apesar disso me destruiu com um só golpe. Mas ainda assim, repetem e teimam e dizem que sou forte. Não. Eu choro todas as noites; e chorar me torna essencialmente humano. Eu não sou pedra: eu sou flor.