[Você pode ler este texto ao som de Winter Song]
Foi quando não tinha mais o nariz dele pra roçar no meu, num modo esquimó desorientado que sempre fazia nossas testas baterem uma na outra. Tive que me acostumar a sentir frio nas orelhas, a sujar a barba de leite sem ninguém pra rir de mim, a usar duas meias em vez de uma.
Foi quando não tinha mais uma plaquinha com meu nome e sobrenome escrito errado – de propósito – no aeroporto. Tive que me acostumar a puxar papo com os taxistas no longo caminho de lá até o meu apartamento. E os assuntos trocados com outra pessoa nunca mais serão os mesmos assuntos.
Foi quando não tinha mais gente perguntando se a gente era parente e eu ria, querendo contar pro mundo todo que ele não se parecia nada comigo, e que eu o tinha encontrado perdido. Tive que me acostumar a cuidar sozinho da minha neblina porque eu não tinha mais a dele.
Foi quando não tinha mais o número dele na agenda do meu telefone, mas eu sabia de cor. Tive que me policiar pra não ligar, pra não mandar mensagem, pra não pedir pra ele me salvar só mais um pouco de mim mesmo (porque ele pediu pra eu não fazer isso).
Foi quando não tinha mais o ombro dele pra me encostar no fim da balada, depois de já ter tomado metade do bar. Tive que me acostumar a ir pra casa com outros caras, todos não importantes, todos que não eram ele, todos que não me botavam embaixo do chuveiro rindo e me cobriam.
Foi quando não tinha mais sapato nenhum dele lá em casa. Tive que me acostumar a não pedir mais peça nenhuma emprestada, a não usar o barbeador dele, a não me espelhar um pouco nele.
Foi quando não tinha que ligar chorando por medo de dormir no escuro. Tive que me acostumar a ter pesadelos, a apagar a luz e não sair correndo, a enxergar monstros nas sombras do meu quarto e a dormir sozinho.
Foi quando não tinha mais nada, nem com o quê me acostumar, que eu mais lembrei de como ele costumava ser meu. De como tudo costumava ser certo, de como as coisas pareciam estar no lugar. Lembrei que foi uma sorte tremenda dele ter passado bem na minha frente quando eu tava com a porta aberta, e isso só confirma que foi o momento certo. Eu não pedi por ele, ele também não me pediu nada. Mas era isso, era ele, era tudo o que eu sempre quis e.
Já faz tempo.
Já faz tempo desde que era ele. Que eu era dele.
E agora nada mais parece certo.
–
Hey, o meu livro “Por Onde Andam as Pessoas Interessantes?” está à venda. Se você gostou desse texto, acho que vai gostar muito do livro. Dá uma olhadinha aqui e aproveita pra comprar logo o seu! 😀
Venda na livraria:
Cultura: http://bit.ly/1jMoz1y
Saraiva: http://bit.ly/1FROwaf
Travessa: http://bit.ly/1FROIq1
Aproveita e já se inscreve no meu canal do Youtube porque tem muita coisa legal vindo por aí!
*Para fins de direitos autorais, declaro que as imagens utilizadas neste post não pertencem ao blog. Qualquer problema ou reclamação quanto aos direitos de imagem podem ser feitas diretamente com nosso contato. Atenderemos prontamente.