Quando chega a hora de voar


O jeito que as pessoas se vestem é outro. A maneira de andar, os sapatos (ou a falta deles), as músicas que escutam sem fone no ônibus, as gírias, o sotaque e, arrisco dizer, até a forma de olhar. Tem um bocado de coisa diferente. O cheiro da praia. O silêncio porque ninguém tá gritando “bixcoito globo” ou “olha o queijo coalho” enquanto a gente toma sol. E a falta que faz uma água de coco gelada.

Muita coisa muda. Mudam as pessoas com as quais você vai esbarrando e, aos poucos, começa a chamar de amigas. As comidas que você come, as bebibas com as quais gosta de encher a cara e os tipos de lugares que você frequenta. Até as coisas nas quais você sempre acreditou – ou aquelas tantas em que você nunca quis acreditar.

Quando chega a hora de voar e a gente voa, não é só o endereço que deixa de ser o mesmo. Alguma coisa em nós sofre uma transformação imediata quando a gente resolve ir embora. Uma parte de nós sempre acaba ficando quando a gente vai. E a parte que vai ganha milhares de novas incertezas. Acredite: ninguém sabe direito para aonde está indo – muito menos quem já foi.

Alguns medos continuam os mesmos. A gente ainda teme não saber nunca o que quer da vida. Ainda dá uma gastrite desgraçada essa dúvida entre o ir e o ficar. A gente ainda continua se importando se vão julgar nossas escolhas como burras, erradas, impensadas – como se alguém, olha só, soubesse o que é melhor pra nós além de nós mesmos.

A gente fica meio contraditório. Vive descobertas entusiasmadas e, no segundo seguinte, acorda num tédio querendo voltar. Ama, mas pensa que não é tudo aquilo que a gente imaginou. Ou pensa que é tudo aquilo que a gente sempre imaginou, mas ainda não consegue amar. Não é fácil. Digo, é fácil partir, arrumar as malas e se jogar no mundo embarcando em um avião. Depois que a gente foi, essa é a parte simples. Difícil é encarar o novo lugar, as novas pessoas, os novos desafios e os novos medos embalados pra presente. Difícil é ficar tão sozinho a ponto de se encarar e tentar descobrir se é mesmo isso aí, como diria Lulu. A gente virou o que a gente achou que ia ser quando a gente crescesse?

E é aí que a gente descobre que se abandonar um pouco no lugar que era tão nosso e se mandar pra um lugar diferente é também uma maneira de se reinventar. É uma maneira de se livrar de tudo o que acham que a gente devia ser, de tudo o que acham que a gente devia fazer, de todas as escolhas que acham que a gente devia tomar. Não sei. Talvez seja cedo pra falar ou talvez eu nunca saiba bem sobre tudo o que falo, mas, nesses dias de incertezas, saudades, medos gigantes e descobertas felizes, o que eu sei é que se permitir ser o que a gente é, no fundo, é também uma forma de virar o que a gente quer ser.

Karine

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