Eu preciso do seu amor, não do seu tempo


[Para ler ouvindo Say you love me]

Nós terminamos e nem sabíamos ao certo. Você ainda se apegava a mim como os últimos raios de sol que ainda se agarravam aos cantos do nosso quarto, nos domingos em que ficávamos apenas deitados, falando sobre tudo que era bom, mas que agora são apenas isso. Lembranças.

Nós partimos um do outro e ainda assim nos encontramos como antes, como nos dias em que eu não precisava abrir a porta para você entrar na minha vida. Hoje em dia eu ainda olho pelo olho mágico, mesmo sabendo que você está do outro lado. E não está.

Percebeu que passamos mais tempo juntos do que antes, quando realmente namorávamos? Hoje falamos para o mundo que somos amigos. Quer dizer, você fala e eu aceito. Eu aceito que a gente ainda dorme sem transar, que a gente divide o mesmo garfo na hora de experimentar a comida, vemos as mesmas séries, vamos aos mesmos encontros com amigos em comum.

Mas hoje você só pode me oferecer seu tempo. E, meu amor, tempo é o que eu não quero. Eu preciso do seu amor, não do seu tempo.

Eu poderia trocar todos os minutos que você tão graciosamente passa comigo, se desviando de assuntos espinhosos, da nostalgia vertiginosa, das lembranças tristonhas. Eu poderia trocar os seus bons modos ao falar sobre seus novos amores e ao perguntar sobre os meus. Eu trocaria todos os silêncios que agora não sabem se são desconfortáveis ou não.

Eu trocaria tudo isso por seu amor. Eu posso dizer que superei, dizer que dei passos na estrada da aceitação. Mas eu sentei na calçada e esperei o ônibus do consolo para continuar vivendo. O consolo de que mesmo terminados, nós estamos juntos como amigos. E isso é melhor do que nada, não é? E quando você me pergunta isso eu concordo, mas não sei mais se essa resposta é realmente a correta.

Já parei de pensar em razões pelas quais tudo aconteceu, porque nos separamos, e parei também de buscar meios para te fazer voltar, para voltarmos, para trocarmos esse ônibus por um conversível veloz.

Porque eu não quero mais ficar nesse marasmo, não quero mais esperar que você perceba que estou aqui esperando você me dar uma chance. Porque, amor, eu não quero mais seu tempo, não quero visitas que parecem piedade, que cheiram a prêmio de segundo lugar. Eu quero seu amor. Eu o quero de volta como eu nunca quis nada na minha vida.

Quero aquele amor que alimentou meus sonhos e fez com que o tempo não importasse. Eu quero sentir você pelas minhas veias, quero mais do que seu toque tépido de amigo. Quero que seus dedos queimem minha pele como antigamente.

E toda vez que penso nisso, lembro que não tenho direito de pedir nada disso. O tempo passou, o momento em que deveria ter me jogado no chão, fechado a porta no caminho, batido na sua cara, gritado pelo que a gente era, o que a gente poderia ter sido.

Tudo o que tenho agora é seu tempo, tempo que você usa para mostrar que você sempre foi uma pessoa melhor, mais madura, mais consciente. Eu também não consigo ficar longe, mas também não quero ficar perto para que você sinta que está cumprindo alguma tarefa, alguma obrigação.  Nosso tempo passou, amor, e agora eu só tenho o tempo que gastamos para não nos sentirmos vazios ou sozinhos.

Meus olhos, agora, se abriram para uma nova realidade, ofuscante: eu nunca vou poder fazer você me amar de novo, porque esse amor se transformou e só eu ainda acho que você é meu. Você não está mais aqui e quando estamos juntos tudo é diferente e novo. Mas essa nova realidade me mostrou outra coisa: eu não estou pronto. Não estou pronto para esquecer nosso amor. Então quero distância, não quero ver seu rosto, sentir seu cheiro ou seu toque.

Eu quero seu amor, não seu tempo. Eu preciso do seu amor, não do seu tempo. E até não precisar, não posso estar aqui. Você não pode estar aqui. Nós não podemos estar aqui.


Nota do Bovolento: “A vida é um jogo de dados” é um livro de contos construído aos poucos por Rafael Farias Teixeira: toda semana um novo texto aqui no Entre Todas as Coisas. Depois ele é adicionado e compilado no aplicativo de leitura Wattpad. Clique aqui para ler o que já foi publicado.

rafaftex

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