Estanqueiro? É assim que fala? Sim, ele concordou com a cabeça, e enfatizou com a voz pesada de sono.
Estanqueiro é um sobrenome e tanto, elogiei, e ele sorriu tão bonito que eu quis elogiar de novo. Talvez eu devesse dizer que esse sobrenome combina com os olhos dele só para ver a reação dele, mas oras, que diabo de frase sem sentido é essa?
A gente não faz muito sentido quando quer impressionar alguém, acho. Se o bom senso diz que não, o desejo bate palmas e pede bis. Eu gosto do estrago, isso não é novidade pra mim – e sendo assim, é claro: me encantei. Rapaz, que sobrenome legal esse seu. Não lembro de tê-lo ouvido muitas ou outras vezes na minha vida. Ele deve vir de umas terras longínquas, do outro lado do país, do outro lado do planeta. E ele riu porque, bem, que outra reação se pode ter diante de um surto besta desses?
Procurei teu nome no dicionário. Não bem teu nome, nome – mas teu sobrenome. Parece que Estanqueiro é dono de estanco, que é outro nome para tabacaria. A gargalhada veio com cheiro de nicotina, e eu me diverti pela grande ironia da vida. Você fuma demais – ô, devem ser quase dois maços por dia. Teu pulmão deve estar preto e cheio de bicho dentro. Deus me livre, que horror. Dono de tabacaria…! Taí um sobrenome engraçado. O meu sobrenome não é tão assim — sabe que eu achei que o teu dissesse algo diferente? Tipo o quê, menina?
Parei para pensar se deveria responder. Dei os ombros. Já me constrangi muitas vezes na frente desse moço – o que é mais uma frase torta para a minha infindável coleção? Pensei que pudesse ser algum derivado de Estancar. Vedar, extinguir, parar. Não dizem que é isso que se faz com ferida que jorra sangue? Se estanca a danada? Acho que sim; não tenho bem certeza, mas acho que é isso aí. Prefiro a coisa toda da tabacaria, ele me disse. Tenho horror a sangue.
Mas, continuei, isso tem muito a ver com fazer parar de sangrar. É a antítese do jorro, é o não-jorro – sacou? Não. Estancar é fazer a ferida deixar de ser ferida, é dar o primeiro passo para a ausência da dor e para a cura. É um significado bonito. Você deve ser maluca. Sou. Sou mesmo, menino, e provei para mim mesma a minha loucura quando te abriguei contra meus seios nas noites em que você precisava de colo e te ouvi falar e falar sobre coisas que não me pertenciam e que me deixavam imensamente magoada e consternada. Ainda assim, eu continuava. E por quê? Porque o meu amor é desses amores burros, que levam tempo para largar a corda, que se confundem com necessidade. Meu amor é a antítese do amor, é o não-amor – sacou?
Tabacaria não combina com você, não, é o que eu decidi te dizer. Estanqueiro não vem tampouco de estancar alguma coisa. No meu dicionário, criei pra essa palavra um novo significado: desamor; desencanto. Qualquer coisa assim.
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