Há sempre um ano novo para amar de novo


Ela havia cansado de procurar e apenas sentou ali na areia, vestido úmido, pontilhado de grãos minúsculos. Vestido branco, saltos na mão, cabelo desarrumado e resquícios de maquiagem. Nada de taças, a champanhe foi bebida com avidez e só restavam metas para o próximo ano, uma rosa branca na outra mão. Uma rosa apenas. Qual eram as probabilidades de ela ser a escolhida? Pular ondas, comer lentilhas. Uma rosa branca.

Ele dormiu ali por alguns minutos, chorou outros muitos. Deitado, cabelos de areia, lágrimas de sal. Metas também, metas que nunca poderia cumprir, metas ali na sua frente. Camisa de botões aberta, branca. O sol nascia e não parecia haver nada mais bonito. Primeiro, dia primeiro. Apertou um monte de areia com força e chorou mais um pouco. O mundo girava, 365, desejos contidos, segredos escondidos. O fundo do mar ali, o fundo de tudo.

Ela olhou pra rosa, sua lágrima era de rímel, sua boca tinha o gosto azedo de desilusão. Sapatos caros, vestido de grife e uma menina com uma rosa na mão. Branca. Andou mais um pouco vacilante, olhou para o sol que nascia, algo nascia. Os saltos se soltaram de seus dedos e dormiram ali na areia, um espinho na rosa, sozinho.

Ele olhou pro céu, os raios começavam a tocá-lo e algo como calor o preenchia. Levantou-se e ali estava o sol, ele estava ali, translúcido, presente como um fantasma, ano velho, velhices dentro de si. Tinha mais coisas guardadas do que imaginava.

Uma rosa branca, apenas uma. Várias já na praia, rejeitadas. Uma chance, um pedido, mais um ano. Ele olhou e encontrou algo colorido, ali. Banhado de vez em quando pelas ondas do mar, uma concha, entre várias rosa brancas, rejeitadas.

Uma chance. A rosa caiu da mão dela. Andou devagar. Seu vestido subiu quando a água começou a cobrir suas pernas, pouco a pouco. A rosa a observou da praia.

Ele pegou a concha com a mão, limpou um pouco a areia que encobria as marcas dela, sua história pré-histórica, seu relevo cjeio de segredos. Colocou no ouvido e esperou, esperou que o sol parasse ali, que as nuvens também, que tudo lhe explicasse o que estava acontecendo.

Ela não estava mais ali, mas no mar. Ela era o mar. E ali ela ficou.

“Eu quero amar”, ele falou e esperou a concha lhe responder. Ouviu o mar, ouviu seu coração bater, viu um ano surgir diante de seus olhos. E chorou novamente.

Ela passou a mão pelo cabelo e saiu do mar sorrindo, uma chance. O vestido estava colado contra seu corpo, não sentiu frio. Pegou os saltos e a rosa. Conseguiu reconhecê-la entre tantas rejeitadas, entre tantas rosas sem amor. Caminhou e apenas se virou para sorrir para o sol.

Ele deixou a concha no chão. Ouvira tudo que precisava, do amigo mais inesperado. Limpou as lágrimas de areia, caminhou sobre as rosas e nenhum espinho lhe cortou, apenas virou para sorrir para concha, que foi levada por uma onda para contar segredos para outros corações que perderam o chão, para consolar tristezas e espalhar uma esperança que as pessoas ignoram, um sentimento que vai se escondendo com o passar dos dias, com o caminhar dos ponteiros. Há sempre um ano novo para voltar a amar.


Nota do Bovolento: “A vida é um jogo de dados” é um livro de contos construído aos poucos por Rafael Farias Teixeira: toda semana um novo texto aqui no Entre Todas as Coisas. Depois ele é adicionado e compilado no aplicativo de leitura Wattpad. Clique aqui para ler o que já foi publicado.

rafaftex

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