Feliz dia dos pais, mãe


Eu nunca sei quando é dia dos pais. Definitivamente, é uma data que nunca foi significativa para mim. No geral, descubro que a ocasião está chegando um ou dois dias antes das comemorações. O motivo não é muito difícil de adivinhar: eu sou uma das inúmeras pessoas que tiveram um relacionamento extremamente raso com a simbologia prática da figura paterna e suas ramificações afetivas.

Se você foi criado debaixo do mesmo teto que seu pai e sua mãe, caso faça parte de um modelo nuclear heteronormativo de família, certamente conhece alguém que não foi. E pudera: em uma pesquisa feita pelo Data Popular neste ano, foi apontado que das 64 milhões de mãe brasileiras, 20 milhões delas são solteiras. Isso quer dizer que praticamente um terço das pessoas jovens que você conhece teve a criação ou exclusivamente gerida pelas mães ou, pelo menos, com o protagonismo delas.

Meus pais se separaram quando eu tinha apenas um ano e minha mãe estava grávida da minha irmã mais nova. Até eu completar uns dez anos de idade, ele visitava a mim e a minha irmã umas três ou quatro vezes por ano, geralmente para levar um ovo de Páscoa ou um presente de aniversário atrasado. Depois, minha mãe se casou de novo e ele resolveu não aparecer mais. Não que eu tivesse sentido falta e ficado traumatizado com a total ausência do meu pai: nunca tive um pingo de intimidade com ele. Sempre foi um completo estranho para mim – inclusive, eu tenho guardado na minha memória de criança o quanto eu me sentia desconfortável nas visitas dele. Quer dizer, era meu pai e eu não sentia nada forte por ele como sentia pela minha mãe. Os filmes da Disney e as revistinhas da Turma da Mônica diziam que eu deveria amar ele. Nunca amei.

Aliás, nunca amei, mas também nunca odiei. Era só uma pessoa aleatória que por algum motivo estava na minha vida. Confesso que, depois que cresci, tomei alguma antipatia por ele, mas imagino que seja algo justificável. Quando você deixa de ver aos dez anos uma pessoa que participou, digamos, da sua confecção e depois só volta a ter contato com ela aos 16 em função de um processo para pagamento de pensão alimentícia, é normal que role um rancorzinho. E por contato eu quero dizer que dividimos a mesma sala apenas. Desde os dez anos eu nunca mais troquei uma palavra com meu pai.

É engraçado quando falo disso com amigos que possuem a família nuclear tradicional. Uma vez um deles me perguntou se eu não sentia falta. Não fez. E, sinceramente, acredito que minha criação foi muito mais saudável e humanitária com o eixo familiar formado basicamente por minha mãe, avós e madrinha. Talvez ter a influência de um homem antiquado como o meu pai – e como os inúmeros que existem por aí – tivesse me feito mais um homem-de-bem-a-favor-da-família-da-moral-e-dos-bons-costumes, desses que tentam atravancar o progresso da sociedade. Sobre as conversas com amigos, em uma ocasião, comentei com outro conhecido sobre não ter qualquer contato com meu pai e a resposta dele foi “sorte a sua, queria eu isso para mim”.

Muitos amigos meus tem pais separados e também não tiveram muito contato com a figura paterna. E dos que possuem pai e mãe vivendo na mesma casa, outro tanto enorme possui uma relação extramamente distante, fria e muitas vezes complicadas com o patriarca. Sim, patriarca no sentido de protagonista do mecanismo social de opressão que centraliza a autoridade no homem. Esse meu amigo tinha uma relação tão conturbada com o pai que preferia não ter a presença dele. Para outros amigos, o pai era só um indivíduo que morava debaixo do mesmo teto. A referência de amor e carinho estava quase sempre concentrada na mãe. Merecidamente.

O patriarcado é uma instituição perversa, que mutila traços essenciais para a efetivação de uma relação afetiva minimamente saudável entre pais e filhos. E se não fosse a luta das mulheres por empoderamento na sociedade, talvez os homens nunca nem percebessem isso. Se não tivessem acontecido tantas mudanças na instituição do casamento e no papel da mulher dentro e fora do lar, o homem que tem filhos talvez nunca tivesse sido obrigado a repensar seu papel familiar exclusivo de provedor absoluto de dinheiro e bens materiais, deixando para a mãe tudo o que dizia respeito à afetividade. Pois as mulheres quebraram esse status quo e começaram a gerir financeiramente suas próprias casa, com ou sem a ajuda de homens. O Censo mostrou em uma pesquisa feita no começo da década que quadruplicou a quantidade de mulheres responsáveis pelo sustento de casas brasileiras. Em contraponto, os homens (nem de longe todos, só os que Darwin acreditaria serem aptos para o século XXI) perceberam que o papel engessado deles era perecível. Um pai pode e deve ser amigo dos seus filhos. Afinal de contas, quase ninguém fala disso, mas, sim, homens tem sentimentos.

Curiosamente, a impressão que tenho é que uma boa parcela dos pais que se propõe a exercer esse papel para com os filhos vem desconstruíndo a imagem do patriarca cuja autoridade é incontestável. Cada vez mais eu vejo homens que resolvem fazer parte de uma família do sentido afetivo da palavra, e não como um indíviduo superior que tem a legitimidade para controlar o que pode e o que não pode. Homens que entenderam que família é um organismo horizontal, onde todo mundo conversa, todo mundo se ajuda, todo mundo colabora em pé de igualdade em coisas que vão desde a manutenção dos serviços domésticos até a educação de quem ainda está em idade de formar o caráter.

Se eu tenho alguém no mundo a quem parabenizar por isso, é a minha mãe. Se houve alguma mudança na forma como homens se comportam no eixo familiar, o mérito é dela, que lutou por uma independência financeira que reverberou para todos os lados e acabou, incrivelmente, fazendo com que eu me tornasse um homem mais bem resolvido com meus sentimentos. Minha mãe nunca pensou em me falar que homem não chora. Sempre pude chorar, mas, veja só, eu estava quase sempre rindo.

Não posso fingir que não fico muito feliz de observar essas mudanças no comportamento familiar masculino. Neste dia dos pais, eu agradeço à minha mãe por fazer de mim um homem-futuro-pai melhor. Quer dizer, eu penso em um dia ter um, dois, três ou até, quem sabe, quatro filhos. Quando isso acontecer, se acontecer, quero ser um pai como o que minha mãe foi para mim. Se eu conseguir isso, tenho certeza que vou ter me tornado um bom motivo para que meus filhos não esqueçam nunca que o segundo domingo de agosto é dia dos pais. E nem eu mais.

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