Quem aí está vendo “Sense8”? A nova série original Netflix tá cheia de ação e polêmica, do jeito que a gente gosta. De todo esse universo enorme de personagens, um dos que mais me chamou atenção foi Nomi. Não apenas pela história dela (o quanto eu já chorei vendo ela e Amanita não tá no gibi), mas também pela importância política de tê-la ali como personagem. Eis os motivos:
Representação é importante
A comunidade trans é uma das que mais sofre preconceito no mundo. Basta uma simples pesquisa no Google pra ver os inúmeros casos de discriminação e assassinatos violentos. Ter uma personagem de destaque numa série tão bombada é importantíssimo para visibilidade: não é um filme iraniano cult, é uma das séries de maior destaque do ano! Nomi não representa toda a comunidade trans, claro, mas todas as representações são bem vindas para ajudar a naturalizar isso na nossa sociedade – passou da hora disso acontecer, né?
A atriz Jamie Clayton também é trans
Pense aí nos filmes e seriados que você já viu que têm trans, gays ou lésbicas e depois pense se os atores em tais papéis também eram trans, gays ou lésbicas. Com exceção da Laverne Cox de “Orange is The New Black”, grande parte desses personagens é interpretado por pessoas cisgêneras (termo utilizado para se referir às pessoas em que o gênero que se identificam é o mesmo que o designado no nascimento) ou heterossexuais – o que significa que esses atores vão ganhar notoriedade, fama e muito dinheiro às custas de uma minoria que acabou desempregada.
A personagem tem muito da Lana Wachowski
Lembra que na época de “Matrix” a gente se referia aos diretores como “irmãos Wachowski”? Pois é, mas as coisas mudaram e ao invés de Andy & Larry, agora eles são Andy & Lana. Sim, um deles resolveu parar de fingir e abriu para a família e amigos que era trans, assumindo identidade feminina. O alívio de contar e ser aceita foi o que mudou sua vida. Lana e Nomi têm um comum uma infância de repressão e bullying também. Segundo ela mesmo contou nessa matériaincrível para a The New Yorker, os tempos de filmagem da trilogia de ficção estavam confusos com sua depressão e o divórcio de sua esposa nos bastidores. Só depois da aceitação da família as coisas voltaram a andar bem – e em 2009 ela se casou novamente (com uma mulher).
Identidade de gênero e orientação sexual são coisas diferentes
O que Lana e Nomi também têm em comum é uma coisa bem complicada de explicar para muitas pessoas: a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual. Um amigo falou isso comigo sobre a Nomi esses dias: “Ué, se ela ia pegar mulher, pra quê deixar de ser homem?”. Mas o que uma coisa tem a ver com a outra? Pra começo de conversa, nem todo homem gosta de mulher. Identidade de gênero tem a ver com o sexo que você se identifica, independente de ter ou não as partes biológicas desse gênero. É a pessoa que nasce homem mas se sente mulher, e a pessoa que nasce mulher e sente que na verdade é homem. Outra coisa completamente diferente é desejo sexual. Se homens podem se sentir atraídos por homens, e mulheres por mulheres, uma mulher trans também pode ter desejo por qualquer gênero. A identificação de gênero tem bem pouco a ver com a orientação sexual – prova disso é que grande parte das primeiras manifestações de insatisfação com o próprio corpo acontece quando a pessoa ainda é bem criança e nem tem desejos sexuais ainda.
Mas nem tudo são flores
Nomi é um super avanço. Ter uma trans real representando uma trans na TV é uma vitória incrível que tem muito a ver com representação e também serve de contraponto para as notícias que a maioria está acostumada a ver, geralmente ruins. Mas ainda é pouco. Colocando o pé no chão: de acordo com a pesquisa do Trans Murder Monitoring, da ONG Transgender Europe (TGEU), 226 pessoas trans foram assassinadas no ano de 2014 por crime de transfobia – sendo que 113 desses assassinados (metade!) ocorreram no Brasil. Um título mundial pra gente se envergonhar. Precisamos de mais que um seriado pra combater isso: precisamos eleger políticos que priorizem equiparação de direitos das minorias em suas plataformas (e não suas próprias religiões); precisamos de políticas de conscientização e inclusão, e de criminalização da homofobia/transfobia; de educação sexual de qualidade em escolas públicas. Na próxima vez que você for às urnas, lembre de Nomi, na maneira que a própria mãe a trata e nos flashbacks sobre a infância dela.
UPDATE:
em março de 2016 Andy Wachowski também se assumiu como transexual, e mudou de nome para Lilly. “Eu sabia que, em algum momento, teria que assumir publicamente. Quando se vive como transexual é muito difícil escondê-lo. Eu só queria – precisava – de algum tempo para assentar as ideias, sentir-me confortável”. Ela conta que foi pressionada a vir a público sob a ameaça de um jornal revelar sua nova identidade. Mas ela diz que, apesar da pressão, se sentiu bem em confirmar os boatos e ajudar na questão da visibilidade transgênera. “Portanto, sim, sou trans. E, sim, fiz a transição”, disse Lilly, explicando o que já tinha assumido perante a mulher, a família e os amigos.
Se você é trans, queremos muito ouvir sua história e sua visão sobre os pontos aqui abordados. Por favor, comente! 😀
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