[Você pode ler este texto ao som de J’Arrive A Toi]
Os seus dedos de unhas levemente crescidas passeiam pelo meu braço e eu tento disfarçar o arrepio, mas falho. Você sorri com seu sorriso hollywoodiano, seus dentes brancos e pontiagudos aparecendo por detrás dos lábios finos, machucados de mordidas minhas e suas e de tantas outras mais. Te ofereço uma olhadela tímida, envergonhada da minha entrega, consternada porque não sei fingir que meu sangue não corre ao contrário quando dividimos o mesmo quarto.
Quarto. Sala. Festa lotada. Corredor. Vagão de metrô. Qualquer lugar em que você esteja se torna subitamente pequeno demais, quente demais e eu me pego pedindo para todo mundo mais desaparecer e tudo virar eu, e tudo virar você, e tudo virar nosso abraço torto, nossa urgência de toques, palavras, gargalhadas histéricas. Rezo, até, para me apertar contra seu torso firme e afundar na sua pele e nadar nas suas entranhas e te ver por dentro e te descobrir bonito e real.
Sua boca desliza pelas minhas bochechas e os meus olhos se fecham. Eu suspiro sem perceber e me desfaço quando suas mãos me buscam e me acolhem. Deito a fronte em suas clavículas proeminentes, ouço a música que vem dos seus órgãos, acho que ouço seu coração. Como me sinto agradecida quando ele bate. De repente me vem essa vontade estranha de chorar, esse medo de te perder para o acaso – e você, percebo pouco depois, não me pertence. Não me pertence agora e não me pertencerá amanhã e eu não quero, no fim das contas, que haja qualquer coisa como um contrato, um juramento, uma obrigação entre nós dois. Você não pode me dar certezas e eu não posso te fazer promessas. Não podemos dizer as verdades das verdades um para o outro. Aceitamos o que temos – e não temos nada. E temos tudo.
Entoo baixinho, no meu francês mais imperfeito, aquela música que você gosta tanto de ouvir. Nossa proximidade me faz perceber que você prende a respiração. Aumento o volume, ainda nervosa (deus sabe como eu gosto da sua voz), e você me ouve com tanta atenção que eu me sinto lisonjeada. Pergunta, no fim, algo como: mas sabe, eu nunca realmente procurei a tradução dessa letra – que besta eu sou, eu acho isso tão bonito, mas meu francês consegue ser quase tão ruim quanto o meu português e você monologa e monologa e eu rio e te corto e digo que olha, não é nada relevante, não. É uma canção sobre viver e andar e respirar nesse mundo cão. Você acena com a cabeça e eu, no meu cérebro inquieto, repito as estrofes que dizem, na verdade, qualquer coisa como nada me importa, nem o bem, nem o mal, nem os presentes que já recebi. De nada me arrependo, por nada mais anseio: aceito a vida que começa do zero, a partir de você. Nesse quarto, nesse estado, sabendo que a noite vai virar e você se vai.
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