[Você pode ler este texto ao som de Amnesia]
Na primeira vez que os teus olhos buscaram os meus, assumo: usei de todas as minhas forças para não olhar em outra direção. Poderia culpar um momento de timidez, um cisco, o celular que vibrava ou o carro que passava, mas estaria mentindo. Eles se mostraram coloridos demais para mim. Como eu, que trago órbitas castanhas e imutáveis, lidar com uma vista que, a depender do ângulo e do Sol, viaja para tons verdes e azuis?
Na segunda vez que você me deu boa noite, horas depois da primeira, reparei que seu cabelo era cor de abóbora, e meus pés quase me imploraram para ir embora.
Sem aviso prévio você decidiu pintar, sorriso após sorriso, o colorido em mim – e em todo o resto. Demorei para me acostumar com tuas cores, como alguém que sai do escuro e se encontra num oceano de luz.
Teu beijo tem gosto de amarelo, e amarelo nem gosto tem. Tua pele cheira violeta e teus sussurros sempre me alcançam em um tom de vermelho.
E ainda que eu tenha conseguido explicar cada nuance tua em cores específicas, nunca serei capaz de dizer qual predominou quando você rodou a saia e me puxou para dançar contigo, naquela primeira noite. Naquele momento você foi egoísta, narcisista, decidindo que queria todas as cores do universo para (e em) você, sem dar espaço e lugar pra mais ninguém. Naquele momento você foi o arco-íris mais bonito da minha existência.
Perto de você eu perdi o dom de escrever. As palavras deixaram de ser tão bonitas; tornaram-se um conjunto de traços e rabiscos que, apesar de todo o esforço, não passam de uma tentativa falha de explicar todo o colorido que é você. Quando tua silhueta desaparece pela porta do meu apartamento, consigo bater em algumas teclas e formar alguns parágrafos coesos e firmes. Basta o seu retorno, porém, para que eu consiga ver beleza apenas nas formas das tuas cores – e nas cores daquilo que você me trouxe.
Parte desse encanto se faz presente porque você não anunciou tua chegada – e nunca anuncia tua saída. Assim como não esperava por você, não espero que fique. Enquanto você dorme – e eu traio cada tom seu com essas combinações de letras, consigo imaginar tua partida: sem fazer muito barulho, sem causar nenhum alarde, silenciosa e colorida. Você há de ir embora, como tudo que é bom há de terminar – apenas para que outra coisa melhor possa começar. Só espero que, quando for, deixe tudo colorido. Assim, quando outros olhos verdes cruzarem os meus, não hesitarei por um instante sequer em desviar a vista.