Não tinha nada de extraordinário naquele dia.
O mesmo metrô, mesma estação, mesma escadaria e eu mesma.
Seria mais um dia como os outros, se ele não passasse por mim. Quero dizer, não havia nada de especial nele.
Houve um certo atabalhoamento na hora de decidirmos quem ia subir as escadas primeiro. Deixei que ele passasse. Ele nem mesmo levantou os olhos para me agradecer.
Mas não foi arrogância, visto que agradeceu. Apenas timidez.
Até o seu jeito de andar era introspectivo. Os cabelos desciam em ondas até os ombros, mas não por vaidade e sim um derto desapego premeditado. Usava casaco, camiseta, jeans e um sapato legal. Uma bolsa que eu gostei de imaginar que estivesse cheia de livros e artigos meio lidos. Também me agradou pensar que seus olhos eram escuros, olhos de uma mente inquieta por trás de uma expressão plácida.
Ele caminhava fitando o chão. Parecia que nem mesmo a chuva penetrava em seu mundo particular. Contei que chovia?
Deixou um cheiro de banho recém-tomado para trás.
De vez em quando erguia a mão, apoiada na bolsa, para ajeitar os óculos, nunca os cabelos. Eles voavam revoltos em torno do seu rosto, que não cheguei a ver.
Minha vontade era de pegá-lo pela mão e pagar um café, que eu não tomaria, só para vê-lo segurar a xícara com as duas mãos – ele com certeza era do tipo que segura a xícara com as duas mãos para sentir o conforto da bebida quente.
Contei que eu nem gosto de café?
Ele daria um sorriso tímido, esperando eu tomar a iniciativa da conversa.
E eu diria: “Fale.”
Ele certamente perguntaria: “Falar o que?”
E eu responderia: “Sobre o que você faz, sobre o tempo, sobre o último livro que leu. Qualquer coisa, me conta uma história?”
Ele ia rir, ajeitando os óculos, sem saber porque alguém iria querer saber mais sobre o mundo dele.
Ele então começaria a falar do último livro que leu, coroando com o enfático “você precisa ler!” que apenas os entusiastas das páginas têm. Depois falaria sobre sua paixão por astronomia e passaria o tempo seguinte dissertando sobre nebulosas, galáxias e estrelas, sem notar que deixou de ser astrônomo e virou poeta. Então falaria sem parar sobre filmes, quadrinhos, diretores, roteiristas e eu o ouviria falar ininterruptamente, por horas, por dias ou por 15 minutos. Certeza que ia desenvolver uma variante prática da teoria da relatividade do tempo, naquela conversa.
A conversa seria interrompida porque nos daríamos conta de que estávamos extremamente atrasados, mas com certeza nos veríamos novamente para continuá-la. Nos levantaríamos sem saber exatamente como nos despedir. Ele ficaria sem saber o que exatamente havia acabado de acontecer e voltaria a ser introspectivo, lembrando somente naquele momento de que éramos completos estranhos e não sabíamos nem mesmo nossos respectivos nomes. E eu estaria satisfeita por fazer parte de mais um universo.
Voltei à vida comum virando à esquerda sem olhar para trás, enquanto colocava mentalmente o ponto final nesse conto. Ele continuou adiante sem se dar conta de que foi sumariamente amado durante uma conversa imaginária que durou cem metros ladeira abaixo.
Contei que era uma ladeira?
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