A história que eu queria ter contado


[Você pode ler este texto ao som de Broken Angel]

Teria Beatles no rádio. Meu vestido estaria jogado ao lado do sofá e eu vestiria sua camisa velha de uma banda de rock – que você desconhecia de propósito. Eu esticaria minhas pernas no seu colo e você colocaria sua mão sob a minha coxa em uma mania silenciosa de me fazer te pertencer. E então eu falaria com a voz baixa e trêmula que, cara, eu não tenho ideia do que tô fazendo da minha vida. Você riria e beijaria minha mão sem tirar os olhos de mim. E diria, com aquele seu sotaque que eu tanto amava, que ninguém nunca sabe mesmo o que tá fazendo da vida. Isso me acalmaria pelo simples fato de ser você – meu ponto de partida e chegada numa vida de eternos voos. Eu focaria nisso: o quanto você me fazia bem. Mais nada.

O telefone tocaria e seria sua irmã dizendo que vai casar e quer saber se me convida. Você finalmente vai ficar com esta, não é? E eu não ouviria você ao telefone indeciso, falando que talvez não, que talvez acabe mês que vem, que a gente não tem muito a ver. Eu não teria prestado atenção na sua conversa, nem no seu olhar furtivo, nem nas suas mãos balançando sem parar. Eu não teria alimentado minhas neuras, nem sentido meu coração partindo ao reparar que só eu tava ali, tentando. Eu teria fingido que sabia o tanto que você me amava, apesar de tudo (mesmo que eu não soubesse).

Eu não teria começado aquele papo pra saber se o que você sentia por mim era amor ou só tesão passageiro. Eu teria jogado sujo e te puxado pro quarto pra gente parar de falar. Porque, se com as palavras a gente não se dava tão bem, nossos corpos sempre se entenderam direitinho. E se aquilo, logo aquilo, tudo aquilo, não era amor, então talvez eu nunca saiba merda nenhuma deste sentimento.

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Eu teria te acordado com um beijo na nuca e a gente começaria o dia rindo. E nada de briga por causa da toalha, da tampa da privada, do prato quebrado e do amor socado na gaveta sem dobrar. Eu teria ignorado suas contradições de querer liberdade e não-compromisso, mas, ao mesmo tempo, morrer de ciúme dos meus amigos. Eu não teria brigado por você não saber o que raios queria de mim. Eu não teria te empurrado na parede e te feito escolher se era amor, se eram dois dias na semana com vinho barato, se era dormir de conchinha ou se nem era nada.

Eu teria me segurado e não teria cobrado tanto. Eu teria aceitado que você não me dava o mesmo que eu tentava te dar. Eu teria fingido que não via, que não ouvia, que não sentia. Eu teria disfarçado minha insegurança com sorrisos, meu ciúme com outros beijos e meu medo de te perder com mais abraços. E, quem sabe assim, você não teria fugido, não teria se afastado, não teria provado ser o babaca que todo mundo sempre disse que você era e que eu sempre empurrei pra baixo do tapete.

Teria Beatles e vinho e mãos aqui e ali. Não teriam as ofensas, nem a certeza de que eu nunca queria ter te encontrado na minha vida. Não teria sal no rosto, nem teria meu amor jogado pela janela como se fosse objeto desimportante. Teriam as conversas, os abraços, o sexo e uma lembrança linda. Não teria o final feliz, mas também não teriam todos os gritos. E, quando alguém me perguntasse, eu iria poder dizer tranquila que acabou, mas a gente tinha se amado.

E era esta a história que eu queria ter contado.

Karine

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