Diz o que ela significa pra ti


[Você pode ler este texto ao som de Feather On The Cycle]

Se ela puxa a coberta no meio da noite e não levanta pra fechar a janela, te deixa com frio e nem liga, vira pro lado e ainda dobra as pernas em cima da tua esquerda, fazendo um peso danado, te imobilizando como se não quisesse te deixar sair dali, fala. Fala baixinho, num sussurro que corte ou atravesse a pele dela sem machucar, quase como se quisesse que ela inalasse a ternura das palavras misturadas com irritação por ter sido deixado à revelia, mas fala. Diz pra ela que cabem sempre dois no mesmo espaço e que as leis da física se enganam quando desconsideram abraços.

Se ela desliga o celular ou deixa no fundo da bolsa, se esquece de ligar ou atender e te faz esperar por horas, sem nem justificar que ficou presa no trânsito ou que o chefe pediu pra correr com o projeto ou petição, brada. Esbraveja numa mensagem de voz (que ela não vai ouvir) e fica lá plantado, esperando e bufando, com vontade de voltar pra casa e lavar o perfume que botou pra ela, mas espera um pouco mais porque você precisa gritar. Bota pra fora a impaciência e ouve as explicações dela que vão te causar compaixão, e o vinho vai descer mais doce, assim como as suas desculpas por ser sempre tão rude enquanto ela ri.

Se ela abaixa a cabeça e não sabe explicar alguma coisa, ou mente pra você e diz que dessa vez vai embora, que sabe que foi a pior coisa que aconteceu na sua vida e se envergonha, para. Segura com firmeza e pede pra ela não se esquecer de quanta chuva, de quanta estrada, dos buracos todos, daquele pneu rasgado, do rádio falhando e do iPod que botou numa música qualquer e vocês determinaram que era aquela, mas faça-a parar. Para de remoer cada coisinha errada que ela faz como se todas fossem umas âncoras pesadas que você não tá disposto a carregar e vê o mundo dela com flores, amores e espinhos distribuídos por aí. Aprende a caminhar com ela, você vai se cortar, se arranhar, arrancar as pétalas delas, arrancar uns cabelos, bater a porta do carro, mas não esquece de como você chegou aí e para a mala dela antes de partir.

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Se ela chora e você não sabe como consolar porque nem é tão bom assim nas palavras, ou se ela se enrola num edredom e diz que quer ficar sozinha e você se sente mal mesmo não tendo nada a ver com isso, mesmo sabendo dos problemas dela sem saber muito bem como ajudar, mesmo querendo ter super poderes pra deixar as coisas mais risíveis e menos amargas, repara. Repara nela e na pinta da coxa esquerda em forma de coração que ela esconde com as saias, com as calças verdes vermelhas amarelas e azul é a cor preferida dela. Não para e tenta fotografar cada passo dela como se o seu registro contasse uma história, como se os teus olhos fossem lentes intercambiáveis que se revezam pra enxergá-la, e monta um álbum na memória. Mostra pra ela sempre que ela precisar se achar em alguém e fala tudo o que um dia já viu nela.

Se ela aceitar as cenas e for imprevisível como você acha que ela é, se reagir com um sopro ou soco, com ferocidade ou doçura cafuné beijo na testa e juras de quem não puxa nunca mais o cobertor, se cala. Fica quieto e deixa que ela ponha tudo pra fora e que cada figura batida se restabeleça num clichê bonito de um sábado à noite, troca as ruas pela sala e pela pipoca e se veste com pijamas pra brincar com o cabelo dela. Se ela te disser que ama e que falha, que bem vai com a tua cara, pode soltar esse sorriso frouxo e dizer pra ela tudo o que você guarda. Balbucia, soletra, escreve, brada, não importa bem o jeito, importa mesmo é que você fale. E conte pra ela, em forma de prosa ou poesia, o que ela significa pra ti.

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