Cansei de ser joguete


[Você pode ler este texto ao som de Solitária]

Pensei mil vezes em como começar este bilhete. Eu podia dizer só que acabou, mas daí eu teria que assumir que começou de verdade. Eu teria que dizer que você e seus olhos esverdeados e sua covinha na bochecha me amaram e quiseram construir uma história de amor comigo. Eu teria que acreditar que a gente, alguma vez, teve sequer uma chance de subir no altar e falar aquelas palavras bonitas e jurar que a gente ia superar pobreza, doença, tristeza e todas aquelas coisas que casais apaixonados juram para ser feliz. Mas essa história não é nossa.

Eu podia dizer só que cê tá livre. Mas também acho que isso eu nem preciso dizer, porque você sempre foi. E eu nunca fui do tipo que arranca a liberdade de ninguém. Cê sempre pôde abrir a porta, pegar as malas, gritar verdades e procurar corpos mais gostosos que o meu, palavras mais carinhosas que as minhas, abraços mais acolhedores do que aqueles que eu te dava. A gente sempre teve liberdade pra ir e pra ficar. Cê ficou porque quis e eu tô indo porque eu quero.

Num tô levando nada seu não, tá ficando tudo aí. Até seu coração, que eu não sou de pegar o que não é meu. As cartas que escrevi, fiz questão de queimar. Que daí cê não guarda lixo e diminui a bagunça do seu quarto pra, quem sabe, deixar outra pessoa te invadir. Afinal, alguém, um dia, tem que conseguir entrar aí de verdade, não é? Por isso que nem me deixo. Destruí o que pude dos meus vestígios porque não quero ser lembrada de nada não e nem quero lembrar. Cansei de acumular histórias tortas e inacabadas nas minhas memórias.

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Tô indo. Vou rodar o mundo, conhecer outros lugares e fugir da frieza dessa capital de pedra em que eu me perdi por você. Vou ali andar descalça e sem amarras em praias e campos e casinhas de sapê. Tô entrando no ônibus e partindo para qualquer lugar do mundo que me devolva e me faça lembrar quem eu era antes de apanhar tanto nessas curvas que a gente fez pra chegar a lugar nenhum.

Não tem muito o que dizer além disso tudo não. No fundo, é puro cansaço. É pura falta de força em insistir numa relação que não tem a mínima chance de avançar e nunca teve sequer uma dose de amor para me deixar bêbada. É pura preguiça de te ver sendo tudo aquilo que eu nunca quis aceitar em homem nenhum, entende? Tô voltando as casas no tabuleiro e indo pra outra direção mais por amor a mim e a minha sanidade do que qualquer coisa. E pra acabar, finalizo como eu devia ter começado: tô indo embora porque eu “cansei de ser joguete, cacete. Cansei de ser tão maltratada”.

[Texto inspirado na música Solitária – A Banda Mais Bonita da Cidade]

Karine

*Para fins de direitos autorais, declaro que as imagens utilizadas neste post não pertencem ao blog.

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