[Você pode ler este texto ao som de Say Something]
Você tá aí, quieta demais, e vem me olhar com essa cara de quem não imaginava, de quem nunca imaginou, que um dia eu iria embora. Tá aí me encarando descrente como sempre fez. Lançando um olhar de reprovação doloroso que duvida de mim. Duvida de mim e duvida de tudo o que eu já fiz, já passei, já corri e já deixei por você. Dessa vez eu bato a porta e apago a luz, dessa vez eu selo a carta e endereço pro lugar certo, dessa vez não tem mais “outra” na frente pra relembrar das segundas chances.
Tô me livrando de você, te desalojando. Te colocando numa caixinha de música velha que vai parar de tocar no exato momento em que eu tirar os olhos de você. Tô te pintando no rosto, meu bem, como listras de guerra. Tô quebrando pratos, deixando a pia mais limpa pra não sujar as tuas mãos. Tô te pintando com laço e de vestido, pra não me esquecer de como você se vestia pro espelho, enquanto defenestrava o amor do sétimo andar.
Tô te implorando lentamente pra dizer alguma coisa que me pare enquanto eu declaro que tô desistindo de você. Tô levando na mala só o que é meu, e deixo o que era nosso pra você fazer fogueira do passado. Queime os retratos, as correntes, o desprezo e me jogue junto. Talvez assim eu sinta, pelo menos uma vez, alguma coisa que não seja frieza. Tô levando tudo num gerúndio lento, que se arrasta com justificativas pela casa, e a única coisa que você faz é ficar aí me encarando. Marcada, estagnada, calada. Depois da dor toda, você escolheu ficar manchada em mim, feito tatuagem. E nada mais.
Tô desistindo da lembrança de que, talvez você nem lembre, um dia desses a gente se bastava. Do apelo comovido dos presentes de aniversário, dos alarmes silenciados pra me atrasar agarrado em você. Tô desistindo de quem eu amo, cuido, consolo e me fez ver tudo virar passado numa apropriação indevida de nós. Tô desistindo quando não queria mais desistir.
Então usa esse infinitivo pra parar esse gerúndio doído. Me para e grita pra mim que ainda tem lugar pra nós dois aqui antes que eu já tenha desistido. Diz alguma coisa enquanto eu me despedaço e me ponho nas caixas. Diz pra parar o sal descendo na minha boca, diz pra ser clara de vez e me consentir um abrigo renovado. Diz pra mim que muda, por favor, e que muda a minha vida junto. Diz que se lembra de mim e que teus olhos vidrados não são esquecimento. Diz que não me jogou no seu limbo pessoal. Diz e me impede, de uma vez, de desistir de você.
Você não me diz nada e eu tô indo embora.
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