[Você pode ler este texto ao som de Damien Rice – 9 crimes]
Amei sem saber que amava e amei consciente. Amei velado, baixinho, rasgando as cordas vocais por deixar ar demais entrar ao invés de deixar a voz sair. Amei num canto, abaixado, olhar baixo e com um tanto de tristeza no peito que nem dava pra saber que eu amava. Amei aos gritos, aos berros, do alto e sem usar elevador. Era amor de Bungee Jump mesmo. Amei usando escadas, num step by step cuidadoso e sem manual pra eletrodoméstico, sem certeza de funcionamento e sem garantia estendida. Amei com o dedo na tomada e sem usar calçado, sem roupa, sem óculos escuros ou creme anti-rugas. Amei de cara lavada também e, de vez em quando, amei mascarado.
Amei de bater com o queixo no meio fio e levar uns pontos num pronto socorro de madrugada. Amei de bater queixo em noite fria esperando companhia num ponto. Amei com sede, com sono, com tudo doendo, mas sem vontade de ir pra casa. Amei trejeitos, sotaques e até formas de dirigir com as mãos na coxa. Amei risadas engraçadas, fortes, com um pouco de molho no bigode, com um pouco de batom nos dentes. Amei um pouco deles. Amei um pouco delas. Amei pessoas e lugares e gente que já me disse tanto “bom dia” como “foi bom te conhecer”. Já amei até fantasma que eu pensava que era alguém que eu conhecia e no final nem tava ali, nem em espírito. Já amei um quarto vazio, um pouco de solidão e café pra dois, pra beber sozinho. Já amei na euforia, no barulho da música eletrônica e no descontrole sensitivo de mãos que nunca sabem o que fazer. Já amei pintas, sinais, verrugas, pelos e todo tipo de detalhe que pareça feio e que você possa imaginar.
Amei tortos e ajeitadinhos, gregos e troianos, gente daqui e gente que só existia nos meus outros mundos. Amei quando parecia que era só pra tapar o buraco que a gente tem e não sabe nunca como resolver. Amei umas poucas migalhas e resolvi que só ia querer gente inteira, porque eu tava cansado de gente que só me tirava pedaço. Amei ao som de Skank, de Legião, de Los Hermanos, de Cassia Eller e de tantos outros nomes dedicados aos meus amores que sempre me confundia sobre o meu cd preferido. Amei sem saber o que dizer, sem ter vocabulário extenso, com vergonha de cometer alguma gafe e usar o talher errado. Depois percebi que não importava muito as minhas maneiras, importava mesmo era amar. Já amei quem me mordesse a orelha, quem me reprovasse os hábitos, quem me desse remédio e comida na boca e quem usasse a minha boca pra dublar seu corpo. Amei em despedidas e em encontros também. Amei em outras línguas e senti que amor pode ser áspero ou calmo ou perturbador ou um monte de coisas que geralmente acompanham um impasse comedido, batucado e ritmado de um coração que encosta no peito.
E cada vez que amei, jurei que nunca tinha amado do jeito certo. Mas tinha certeza de que tinha amado as pessoas certas, ainda que em algum momento da vida eu pensasse que eles fossem erradas. Amei sem me importar com muita coisa, nem com o que me diziam que eu podia, nem com o que queriam que eu amasse. Amei sem cor, sem classe, sem gênero e sem pretexto nenhum. E amei, amei e amei mesmo assim.