[ Você pode ler este texto ao som de Love Don’t Live Here Anymore]
Ô moça, diz pra ele que ele esqueceu uma camisa sem botão aqui em casa. Combina comigo e combinava tanto com ele que eu fiquei com dó de devolver só pra poder dormir com ela. Ela sente falta do botão e eu sinto falta dele e a gente acaba se encaixando na hora de apagar a luz. Diz pra ele que eu ainda caminho de noite pelo mesmo caminho de sempre, mas agora sem rumo. E não tem aplicativo que vá substituir a voz dele me dizendo tudo o que ele dizia e recompensando pelo dia difícil. Moça, cuida dele como quem cuidaria de um menino de 5 anos, porque no fundo ele é bem assim. Você vai descobrir isso quando ele estampar na cara um sorriso babão por causa da coleção de carrinhos que ele tem. Vai estampar na cara um sorriso e eu espero que você se derreta com ele como eu me derretia.
Conta pra ele que eu aprendi a jogar videogame só pra passar daquela fase difícil. E por mais que a gente nunca tenha passado dela, eu tentei aprender umas formas de levar o jogo até o fim. Diz que eu espero que vocês consigam passar de fase juntos e que ele te leve pra jantar num mexicano que tem na rua detrás da dele. Ele vai te oferecer alguma coisa bastante apimentada só pra te ver lacrimejando, moça. Mas nem é por mal. É uma daquelas pegadinhas sem graça que ele faria até se você tivesse morrendo de cólicas no sofá da sala. Dá uns tapas nele e sorri. Sorri porque é desse jeito que você vai conseguir desarmá-lo. E ele fica tão doce quando não tem defesa ou reserva, que é capaz de se esquecer do jogo de futebol do time dele só pra te abraçar até às 3h da manhã na sua cama ou na dele. Você tem fome de madrugada, moça? Ele tem. Acompanha ele até a cozinha, vai. Senão ele vai ser obrigado a confessar que tem medo de escuro e isso o deixa tão pra baixo. Não desperdiça o sorriso dele e garante que ele vá segurar na sua mão, nem se for pra te dar um susto no escuro da casa. O susto dele é carinhoso e eu te garanto que a falta dele seria muito mais assombrosa pra ti.
Ô moça, ele já tomou o antialérgico? Cuida dele pra ele não atrasar os horários, mas só fala umas duas vezes. Ele odiava quando eu me confundia com a mãe dele e me pedia pra lembrar que ele era um homem. Era. E era meu, mas agora eu acho que ele enxerga algum brilho nos seus olhos e vai querer te fazer tão feliz que você não vai ter tempo pra ser triste. Não vai ter tempo pra cansar demais dele porque ele vai sempre te dar espaço. E conforto. Deita no peito dele e desaba quando precisar, moça. O “meu bem” dele é a coisa mais fofa do mundo. Arranja algum apelido pra ele também, mas sem ser brega demais. Se usar alguma voz de bebê, você vai perceber como ele consegue revirar os olhos lentamente de uma forma irritante. Sai pra andar com ele aos domingos, moça. E solta dele. Deixa ele ir andando na frente e percebe como ele não foi feito pra ser domado. O carinho dele é cativado aos poucos. E aproveita a inclinação dele pra crianças e animais. Você vai babar tanto quanto eu quando aquele marmanjo segurar um bebê no colo.
Diz pra ele que eu vi futebol essa semana e torci pro time dele. Eles não ganharam e eu queria ter ligado pra jogar a culpa no juiz, no tempo chuvoso, na grama escorregadia ou no zagueiro novo. Queria tentar aliviar o mundo dele como ele sempre fez comigo. Moça, faz isso por ele. Alivia o mundo como se ele carregasse a vida nas costas. Ele tem mania de extravasar com alguns filmes bobos de romance que você nem imaginaria. Deixa ele desabar sozinho e não enche a vida dele de porquês. Uma hora ele precisa ficar sozinho pra não ter deixar sozinha de vez. Ele é grande, moça. E alto e bonito. E se ele olhar pra alguma outra moça na rua, finge que não viu. Ele poderia olhar pra mim hoje em dia e eu ainda morreria de inveja dos seus dedos entrelaçados com os dele. Porque é isso que importa pra ele, moça. Laços.
Diz pra ele que ontem eu não me segurei e chorei mais um pouco. E diz de novo que eu caminho, sim, toda noite pelo mesmo lugar e que a paisagem não é a mesma porque ele foi recortado dela. Que as minhas fotos sem ele perdem o efeito e não tem Instagram que resolva pra deixar a coisa mais bonita. Diz pra ele que eu até aprendi a tirar no violão a música preferida dele e que toda vez que eu canto num karaokê, é pra ele. Que eu fico até feliz de ver como ele sorri nas fotos com você, mas que eu não consigo deixar de sentir aquela pontada no peito e a dor no estômago por não ser mais eu. Diz pra ele que as coisas vão bem, obrigada, mas bem nunca vai ser exatamente o que eu queria que fosse. E o que eu sinto tá guardado, sem lacre, numa caixa aqui de casa. Vai que um dia ele resolve voltar pra buscar a camisa sem botão, umas caixas e resolve me levar junto de vez?
Ô moça, cuida dele por mim, por favor. Cuida dele como ele sempre cuidou de mim.