[Você pode ler este texto ao som de Home – Michael Bublé]
Dá uma guinada com a cabeça pra ver se você esbarra a vista em mim, assim, em mais uma tentativa de fazer as coisas estalarem na sua cabeça e você entender tudo, tudo, tudo o que eu queria que você entendesse e visse e me dissesse e me pegasse pela mão e me levasse pra algum lugar que não fosse frio, mas agora eu já tô aqui nessa merda de rua vazia, esperando sabe-se Deus lá o quê de você e ainda assim, esperando. Eu sempre espero mesmo, espero com alguma coisa que já nem é mais esperança, alguma coisa que não é essa música que tá tocando aí – e que me lembra você –, alguma coisa que não são esses carros e essas pessoas me olhando sentada no meio de uma vista pro mar esperando. Tem ninguém à vista e eu tô aqui esperando você só me dar uma olhada certeira e fazer todo o resto. Eu nem exijo muito, eu acho, nem exijo que você mude meu mundo de cabeça pra baixo nem nada do tipo, eu nem exijo que você faça tudo numa ordem correta e eu nem falei de você pros outros, mas, por favor, me leva pra casa porque já tá doendo demais ficar aqui com os lábios rachados por conta desse vento.
Me deixa numa distância de quarteirão lá de casa e não se preocupa que eu vou andando. Se você não vai vir atrás de mim, então não precisa me deixar na porta porque eu sei que não vai ter despedida e isso vai doer mais do que os meus lábios rachados. Não vai ter aquele beijo terno nem aquela coisa de me avisa quando chegar em casa que eu quero saber se você chegou bem e eu vou ficar olhando pro whatsapp na esperança de algum daqueles balões conter o seu nome, nem vai adiantar se não for você porque eu vou passar os olhos e só isso. Ler eu só leio você mesmo. Leio esses livros que você me recomenda e achei que o último deles ia ter um final feliz, mas o cara foi lá e matou todo mundo como uma forma de se redimir e se matou no final e você disse que o livro era presente pra mim porque eu tinha gostado bastante e eu morri junto dele, sabe? Morri porque você nem fez questão de voltar aqui pra pegar o livro de volta nem pra me olhar de verdade nem pra me mandar tirar a roupa e fazer sabe-se lá o quê com você e eu tava esperando mesmo era pela manhã seguinte em que eu não ia precisar olhar no whatsapp e teria o seu primeiro bom dia pra não doer mais. Nem isso aqui dentro sufocando nem o meu lábio rachado pelo vento porque teria você e teria saliva e não teria mais vento porque você teria me levado pra casa e tava tudo bem.
Deixa pra lá que eu vou pra casa sem ninguém. Acho que você perdeu a hora e eu perdi o tempo porque eu espero e espero e espero faz tantos carros e tanta chuva e tanta gente e tanta música que me lembra você e tanto vento que os meus lábios tão doendo quase como tá doendo aqui dentro. Já passou da meia noite e eu acho melhor eu chamar um táxi porque não vai dar pra aguentar muito se você chegar aqui com alguém, não vai dar pra disfarçar, não vai dar pra gritar ou pra checar se os seus óculos tão embaçados porque você nunca me enxerga aqui, nem vai dar pra reclamar ou pra pedir pra me deixar a um quarteirão de casa porque eu preciso pensar. E tá tocando essa música e eu realmente só queria ir pra casa sem precisar imaginar os porquês de você nunca vir e nunca me ouvir e nunca me ver e nunca, nunca mesmo sentar do meu lado, se despedir, me desejar boa noite, me acordar com um bom dia no whatsapp e, quem sabe um dia, você pudesse me levar pra casa.