[Você pode ler este texto ao som de Summertime bring me joy – Selah Sue]
Mais fácil imaginar o que nunca foi do que o que teve laço marcado e contado em retratos, álbuns e um punhado de lembranças. Mais fácil pressupor que os amores que não foram seriam mais fortes, mais duradouros e, quem sabe, mais amados. Mais fácil viver uma vida de “e se…” quando os amores que já foram sofrem de um abandono romantico gradual. É que a gente não é justo na memória e vai sempre achar que os amores que nunca aconteceram foram os mais bonitos.
Um misto de imaginação e expectativa gostosa faz com que a gente projete naquela possibilidade de amor distante um tipo de afeto memorável. Pros amores que nunca existiram, a gente ainda tem cama. Tem casa, quarto e espaço. Tem pedido de desculpas e um imaginário que deixa a gente bobo pensando ainda que podia ter sido o grande amor das nossas vidas. Pros amigos, a gente sempre seleciona as melhores histórias de amores que sumiram de um dia pro outro, de alguém que a gente amou à primeira vista ou de um daqueles dias que nunca viraram dois. A nossa recordação afetiva é meio injusta com os amores que ficaram.
Os que ficaram, viveram e provaram que mereciam espaço. Tiveram que aguentar a convivência, nem sempre pacífica e razoável, de uma companhia escolhida e acolhida por pura e própria vontade – e talvez por amor. Ficaram, bateram o pé e tiveram seus dias de luta e de glória. Com bom dia e boa noite. Com batida de porta e gritaria. Com choro ou sorrisinho bobo. Com adeus e até um dia desses. O que a gente não enxerga é que os amores reais também são bonitos. E por terem sido reais e terem trazido pro nosso dia-a-dia um pouco daquele sentimento que a gente sempre esperou utilizar, dar e receber dos amores do talvez, eles merecem da gente uma beleza para além da imaginação. Papo de romantismo real, sem o aspecto ilusório que a gente cria sempre que começa a se apaixonar por alguém ou pensa em como teria sido construir alguma coisa com alguém que nem fez questão de ficar – ou não ficou porque nunca existiu de verdade.
Os amores de verdade são mais bonitos porque dariam filmes, novelas, histórias de cinema que as pessoas não costumam contar. Eles fogem do senso comum e vivem de acordo com cada par que se encontra por aí. São mais bonitos porque têm a sua forma de expressar o que sentem e o que não sentem e são independentes da imaginação para tirar um sorriso da gente ou pra fazer um dia feliz. Amores reais não precisam ser sonhos pra fazer a gente sonhar – e você nem precisa fechar os olhos pra tê-los. Eles tão ali e se responsabilizam por tudo o que acontecer a dois. Pagam o preço e bancam o terreno deles. E vivem. E escrevem palavras na nossa pele que significam mais do que possíveis histórias que a maioria de nós criaria com algum tempo ocioso e com alguma pessoa que a gente nem chegou a conhecer de verdade. Esses amores não são scripts rodados nem clichés literários. Eles se apresentam nus, com estrias, celulites e luz acesa. Assim, de pronto, de choque, com toda a verdade bonita e feia que poderiam ter.
Se você pensar bem, os seus amores reais renderam as melhores coisas. As melhores lembranças. Muitas. Muito mais do que qualquer outro amor que você não tenha vivido. Renderam até dores – mas dores reais, com motivos, razões e discussões que existiram de verdade. E, querendo ou não, acho que eles merecem o seu lugar preferido na memória, ainda que a gente precise de imaginação pra deixar as coisas menos fora da rotina e mais interessantes. Como diria Chico, amores serão sempre amáveis. Mas os amores reais serão sempre as pessoas que resolveram amar a gente de verdade, sem precisar imaginar como teria sido.
Você também pode gostar desse assunto. Assista ao vídeo abaixo: