O nó do afeto.


Você tem os meus olhos. É como se eu pudesse olhar pra mim de um ângulo diferente, e ainda assim reparar em traços e laços que nunca foram meus. Porque os seus trejeitos se misturam com um pouco do que eu ensinei e com um pouco do que você vai levando das coisas por aí. Essa sua curiosidade insaciável só percebe que existe quando rejeita afirmações e se declara nas interrogativas. É que o batom cor de rosa que você mais gosta tem algum gosto de cereja que a faz passar a língua pelos lábios – e aposto que as perguntas saltam de você sempre que realiza o movimento. Você já quer descobrir o mundo e eu com tanto medo de perder você pra ele.

É como se você antecipasse os centímetros riscados na parede. E a cada par de sapatos que aumentam, eu fico mais apreensivo sobre os caminhos que você vai dar sem mim. Pode me chamar de coruja ou chato – dependendo da sua idade ou da sua fase, meu bem. Mas é que a minha garotinha vai ter que lidar com tanta coisa aí fora que me dá mais medo deixá-la solta do que encarar esses monstros e dragões dos seus contos de fadas. E eles existem de verdade, meu amor. Por mais que a gente cresça e ignore isso tudo, os seus monstros escondidos debaixo da cama vão aparecer vez ou outra em variadas formas – e uma delas pode ser com um café na mão e uns pensamentos soltos que incomodam mais do que barulhos estranhos pela casa. Mas você tem o seu herói disfarçado de pai bem aqui do lado.

Enquanto você dorme, eu me reconheço no mapa do seu rosto e dos seus gestos. E eu soube no momento exato em que pus meus olhos em você que você seria a mulher da minha vida. Nossas mães que nos desculpem, mas quando a gente se dá conta de que alguém no mundo precisa da gente e corre risco de vida em casos de negligência paterna, as coisas mudam. E a minha garotinha é tão pequena ainda pra entender que o seu mundo cor de rosa é frágil – e precisa de mais alicerces do que simples pedaços de plástico ou madeira. E meus medos de perder você se traduzem nas músicas que eu canto pra você dormir. É que a minha proteção é invisível e o máximo que eu posso te oferecer é segurança. Ou uma forma mais adorável de dizer que eu só saio daqui quando você adormecer completamente. Que eu seguro a bicicleta mesmo sabendo que você só vai aprender a andar nela quando ralar o joelho. Que eu te levo de mãos dadas até a entrada da escolinha mesmo sabendo que você só vai apreciar a companhia dos coleguinhas quando entender um pouco mais sobre a solidão do primeiro dia de aula.

Me entreguei ao brega da situação desde que você era concebida apenas na ideia. Porque eu sempre tive aquele brilho nos olhos característico de quem espera por alguém que mude a sua vida por inteiro. Foi o nosso caso de amor à primeira vista. De afeto revolucionário. De carinho e pode deixar que eu cuido bem dela, tá? De ter meu mundo no colo. Sua mãe entende e sabe lidar bem com os ciúmes – espero. E eu espero que a gente não se perca tão cedo de vista. Se existe alguma coisa que eu não quero perder de jeito algum é você, querida. E esse seu sorrisinho agitado que parece ter sido recortado dos meus álbuns infantis. E você repete a minha mania de acordar no meio da noite pra checar se tá tudo bem. “Papai, dorme aqui essa noite?”. Ah, meu bem, melhor não contar com os príncipes (des)encantados pra garantir o final feliz. Pode deixar que o rei promete cuidar da princesa até que ela folheie as histórias e perceba que tem um livro inteiro para escrever sem a ajuda de ninguém. Muito menos a minha.

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