Balançou sim. Não tem como esconder isso de você. Mas não foi naufrágio e nem determinou que aquele nó seria pra sempre. Não precisa bater a porta ou se ofender comigo. Não nego outros amores, nem desamores e descompromissos. Você também se sentiria balançada se visse o seu passado passar bem na frente dos seus olhos com outra pessoa. Mas não é isso que te incomoda. Eu sei que você quer saber do gosto que teve aquilo pra mim. O cheiro do terreno novo, e se eu falei sobre você pra ela. Se eu usei o seu nome ou falei sobre a tal namoradinha nova das fotos. Essa sua insegurança me faz abrir um sorriso nervoso, garota.
Escuta, morena, eu tive outros amores que não eram você, e nem eram meus de verdade.
E já se foi o tempo em que eles tinham sabores, pudores, e algumas coisas a mais que a gente compra na tabacaria. Já derreteram na boca e se acabaram antes mesmo de chegar à garganta. Já foram secos e ríspidos, do tipo que arranha e faz mal – faz tossir e faz parte do meu instinto de sobrevivência jogar tudo pra fora. Já tiveram gosto de tabaco e nicotina misturados com vinho barato – desses que mancham as golas e acabam com relacionamentos em noites de inverno. Mas ontem à noite não teve gosto nenhum. Foi insosso. O beijo, o novo corte de cabelo dela, o novo namorado e toda essa mesquinharia do que já foi. Você pode não saber me perdoar por isso, mas isso foi a prova dos nove pra mim.
Não teve aquele choque inicial, nem aquela cumplicidade de abrir os olhos sem medo de parecer pedante. Não teve o nosso tempero e a coisa toda da mão na massa, nas costas, na bunda – a que você insiste em tirar em locais públicos. Foi sem sal, sem uma pintada do que é nosso, sem aquele sabor de falta de ar. E você insiste em duvidar do meu gosto apurado pra amores. O meu paladar só corresponde a você, e pode ser que daqui a algum tempo nosso gosto mude. O sabor fique agridoce, ou estrague um pouquinho, ou mude completamente de acordo com o que a gente fizer. Mas não tem receita que nos deixe prever o resto da história. Só tem essa insensatez aguçada que faz cada beijo parecer um novo.
Você sabe que eu sou um bobo por você. E que nenhuma delas me faz querer largar o copo na mesa ao lado só pra poder pegar no volante e te levar pra casa. Nenhuma delas me faz ter essa coisa de querer mostrar o prato completo. Sem entrada pra impressionar com firulas demais, mas o prato principal é servido à mesa. Exposto e posto à prova. Com direito a pular direto pra sobremesa só pra que seja mais divertido. Com sabor de chocolate, ou o qualquer um que seja o seu preferido. Com essa inconsequência gostosa dos meus atos nada reflexivos. E foi graças ao tal beijo roubado, destinado ao tormento, que ela me tirou ontem é que eu sei bem disso. Perto dela, eu sou puro destempero. Com receita firmada. Estável e sem sal.
Eu prefiro o que é nosso. Com açúcar mascavo e canela. Com pimenta do reino. Com mostarda e agrião. Com misturas exóticas que a gente não sabe se vai dar certo. Prefiro você assim, com esse paladar inseguro e suave da minha insensatez.