O segundo que antecede o beijo.


De repente, o mundo pesou. Pesou o peito, pesou a respiração, pesou a fala. O ar corta as narinas, e eu nem sei mais se é frio ou hesitação. Meus olhos desviam e se fixam no seu sorriso de canto de boca. Seus lábios de quem já descobriu o mundo e de quem sabe o que falar, ainda que seja bobo. Mordo os lábios. Não de um jeito provocante ou sedutor. Estúpido até. De nervoso. De vergonha. De não saber o que esperar, e ao mesmo tempo esperar que você saiba. Os movimentos minúsculos dos seus traços são bonitos. Simples, eu diria. Passo a mão pelo cabelo como gesto involuntário. Ou impulsivo. Meu braço arrepia com a proximidade. Daí você percebe e segura a minha mão…

E eu me sinto interrompida. Atravessada. Meu coração passa por uma disritmia que congela o cérebro. Bate aquela dorzinha na barriga, uma espécie de cólica sentimental. Dá pra sentir o rubor das minhas bochechas sem espelho, nem maquiagem. Você ainda encara os meus olhos e eu tenho medo de que você consiga cair pra dentro de mim assim. Se você tropeçasse, tudo bem. Um esbarrão qualquer me arrancaria risadas e descongelaria o tempo. Dá pra ouvir o tic tac do relógio. Dá pra ouvir as suas intenções daqui. Dá pra ouvir a minha vulnerabilidade de quem não sabe se corresponder seria a melhor ideia.

Droga, de novo. Prometi que não teria mais segundo, nem milésimos de segundo iguais a esse.

Mas aí a gente encontra mais um garoto – garoto sim, não ousaria dizer que você é um homem. Homens não têm esse encanto tímido e genuíno que você tem quando olha pra mim. Como se eu fosse a melhor coisa do mundo. Mesmo não sabendo lidar com isso. É admiração. Paixão. É bonito de se ver. E eu coro sempre que percebo que você me olha.  Aí a gente encontra o tal garoto que não quer saber de escalar muro nenhum ou dar a volta pelas barreiras que a gente põe. E a gente acha que vai ser mais uma daquelas histórias mal contadas num barzinho quando as amigas perguntam se está tudo bem. Daquelas que nem valem o choro de madrugada e os quilos a mais com o sorvete. Só mais uma história. Só mais um segundo como todos os outros que antecederam o beijo acompanhado de um boa noite. E você pega uma marreta e quebra o muro. Não deixa pedra sobre pedra. Pra minha surpresa, isso não é lá muito bom. Me sinto nua. Sem pele. Sem segunda pele ou proteção. Peito rasgado. Exposto. Fragilizada pela falta de argumento. Onde eu vou colocar as minhas defesas emocionais agora?

E acontece. Você me dissipa de barreiras, desculpas e o que mesmo que estava pensando? Você me segura. Me dá segurança. E cai pra dentro de mim mesmo com os olhos fechados. Você me atravessa e eu nem ligo se as pessoas à volta ficam constrangidas ou não. A sua gentileza foi não ter esperado demais. E não sei descrever bem o seu gosto ou o que eu pensei na hora – porque eu não pensei nisso, nem em nada. Você volta com os olhos abertos e me encara. Abre um sorriso, e me dissipa de novo. Segura a minha mão e me expõe. Dessa vez a despedida não vem acompanhada de boa noite.

Bom dia, meu bem.

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