É estranho eu relatar cena após cena de como eu fui compondo esse recado. Apaguei as duas primeiras letras, e despejei tudo o que eu queria dizer pra você em sequência. O texto ficou truncado, e eu achei que isso não poderia expressar melhor esse nó seco na garganta. A qualidade do ar aqui não é a boa, mas foi o modo mais radical que eu encontrei de não ter que dividir algum espaço com você. Nunca lidei bem com rejeições, e você nunca soube se comunicar direito. Deixa pra depois. Eu te ligo. Surgiu um imprevisto, me desculpa. Depois a gente se fala. Me manda um e-mail. Era mais fácil ter me dito que tanto faz.
Já bebi água e voltei duas ou três vezes e continuo sem saber o que dizer. É amargo o café agora. Aprendi a não gostar de doces por sua causa. Pensei em deixar isso pra lá e te ligar no fim do dia (como eu sempre penso). Mas é que longe de você eu estou a salvo. Dei uma olhada no seu Facebook. Você anda com um sorriso mais bonito nas fotos mais recentes e até parece que a vida não parou. Você tem saído com alguns amigos meus e caramba! Parabéns pelo seu irmão! Seu sobrinho é lindo e tem os olhos da sua mãe. Ele vai gostar de saber que puxou um pouco o lado da avó. Se tivesse mais a ver com você, seria um pouco estúpido e um pouco educado demais. Você tem limites demais. Você é comportado, seria bacana ver alguém da sua família assim também.
Alguma vez você já terminou algum dos seus planos sem interromper outro? Ou você sempre foi meio assim… pela metade? Não tenho nada de novo pra contar, não. Comprei uma camisola nova porque aquela rosinha que você me deu já estava gasta. Pode deixar, já joguei fora. Chorei um pouco, mas joguei. Não quero manter uma pasta com esses momentos todos armazenados, arquivados ou qualquer coisa do tipo. Não quero passar por nenhuma recaída. Mas eu tenho acordado todos os dias às 8h da manhã. Daí eu ligo a TV e abro o jornal. O jornal local dessa cidade é péssimo. Você devia ver como a editoria de esportes deles é ruim. Abro o e-mail e checo a minha caixa de entrada. É bem verdade que eu corro os olhos por tudo isso sempre, pra encontrar você ou alguma pista do que eu me pergunto todos os dias. Por que ele me deixou ir embora?
O problema é que você nunca me enviou aquele tal e-mail. Nem me ligou nos meses seguintes. Nem apareceu para agradecer pelo presente de aniversário. Não notou a minha falta e nem revirou o meu lixo em busca das dezenas de folhas de papel amassadas. Nem desamassou algumas delas pra perceber que eu ensaiei uma despedida e só queria mesmo é que você me impedisse. Nem me consolou quando o ônibus partiu e eu embacei as lentes dos óculos com um choro baixinho, pra ninguém notar que eu não tinha de quem me despedir. Você deletou tudo como se fosse um anúncio importuno ou um cavalo de tróia. Eu ainda esperei que ele tivesse ido parar na minha caixa de Spam. Mas tinha nada. Nunca teve e nunca chegou aqui. Não deve ter lido aquele, e nem os outros que eu não enviei. Você jogou aquele e-mail na lixeira. E o nosso amor ficou pra sempre no rascunho malfeito da minha caixa de entrada.
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