Eu não sabia como ia ser quando arrisquei o primeiro passo. Eu tinha alguma cautela ainda e a minha dança era meio livre e desengonçada. Mas eu faço bonito sozinha, moço. Eles aplaudem e eu giro. Eu me lanço e eles deliram. Eu vim de longe apresentar a minha dança, mas nunca me senti sozinha de verdade. Porque a minha plateia sempre esteve ali a par de tudo e eu nunca precisei de um par. Mas daí você me roubou da minha dança calma e sem pressa para me mostrar o seu mundo. Achei graça no ato. O fato é que eu achava mesmo é que você tinha outro par igualzinho a você. Um cara meio forte e com jeito que te pusesse a rodar. Mas você não gostava de ser conduzido e não gostava de caras. E eu ri internamente de um jeito meio abobado. Na verdade, eu estava feliz.
Você me conduzia bem, moço. De um jeito igualzinho ao meu jeito desengonçado e gracioso. A plateia não aplaudia, mas eu sabia que os olhares estavam fixos na gente. A cada rodopio, eu corava. Corava porque você me encarava e me desnudava de uma forma que eu nunca senti antes. Corava porque você me invadia sem chegar perto demais e ainda assim me conduzia. Eu queria parar aquela dança e perguntar melhor o seu nome. Eu queria saber como você era e se você também corava por dentro enquanto olhava pra mim. Quis gritar o seu nome para quebrar aquele silêncio constrangedor entre um rodopio e outro. Quis me lançar no ar para você me segurar e dizer que estaria ali para qualquer coisa de agora em diante. Mas a música parou. E você me deu um beijo.
Será que a sorte virá num passo de dança, meu amor? Dava pra sentir a sincronia dos nossos corpos. Sem ensaio nenhum e só guiada pelos seus olhos, eu pairava pelos 360 graus daquela sala. E a plateia continua em silêncio. Mas a nossa música recomeçou. E a nossa dança mudou. Essa dança nova, sem ensaio e sem passo marcado, eu só sei dançar com você. Não importa que eu tenha outro par ou o melhor condutor. Essa nossa coreografia ritmada, sem pé nem cabeça que começou de um beijo musicado é a gente quem faz.
E agora eu desaprendi a dançar sozinha. Desaprendi a deixar as palmas me guiarem. Porque a gente tem um enlace nas mãos que salta aos olhos de quem vê. É como se fosse amor, mas pra gente é dança. O problema é que eu vim de longe, rapaz. E te guardar comigo faria a nossa dança parar. Por isso mesmo é que eu esperei até o fim da música para soltar a tua mão e me despedir do público. Para soltar a tua mão e guardar aquela melodia para sempre.
Olha só, moço. Você é o meu amor de distância. O meu amor que mora longe e que ainda me conduz desde a primeira vez, então. Porque eu guardei um pouco de você numa caixinha e basta dar corda para nossa melodia tocar. Você é meu bailarino de caixinha, que sempre sai com um sorriso e com os braços estendidos para me levar. Daí eu te abraço e rodopio pelo quarto fazendo cada passo parecer o com o seu. É a minha forma de matar as saudades quando dá, amor. É a minha forma de manter sempre em movimento a dança que eu só sei dançar com você.
(Essa é a história da Júlia e do Renan)