1) Você ainda se lembra da nossa música. Eu caio no esquecimento e me preocupo sempre que algo dos anos 80 toca por medo de não reconhecer a tal música. Você não fala nada. Nunca fala. Só me dá aquele sorriso terno como se fosse a primeira vez. Pra você é sempre a primeira vez, meu bem. E eu odeio não conseguir retribuir à altura por conta da minha distração.
2) Odeio o fato de você me ler. Cocei o nariz. Você já sabe que é a minha alergia diária às pessoas chatas que puxam assunto. Eu bocejo. É tesão e você ri. Na verdade, eu me odeio por ser tão facilmente lido por você. Você fez curso de braile no meu corpo. Aprendeu a entender cada mínimo movimento que eu faço. E isso me faz sentir vulnerável na sua frente. O ogro que vira um daqueles filmes preferidos em que a gente já decorou as frases e as próximas cenas. Com você eu sou script rodado.
3) Você me antecipa. Eu faço planos traçados para um futuro remoto e você me faz trazê-los para mais perto. Talvez você saiba que eu adio a vida por medo de viver no modo tutorial. Não fomos feitos para viver o passo-a-passo. Você me antecipa e me faz viver o “faça você mesmo”. E a minha insegurança se dissipa. Porque você me dá a mão sempre para dizer que está aqui.
4) Aquele caixote velho me irrita. É a sua caixinha de memórias. O seu infinito particular. Você é metódica. Os primeiros ingressos de cinema. A embalagem do primeiro serenata de amor. O primeiro cd personalizado com músicas que você nunca tinha ouvido antes. Você me guarda de um modo carinhoso, mas que me tira a liberdade de deixar de ser a todo o momento. Pra você eu sempre sou.
5) A sua mãe ainda fala mal de mim na sua frente. E eu sempre achei isso bastante interessante. É meio que uma forma de dizer que eu sou um risco a sua saúde emocional. Um desvio de percurso na sua vida. Ela não teria planejado assim se pudesse. E você me defende tanto. Eu me sinto menosprezado pela sua atenção. É loucura minha. Mas eu detesto o modo como você me vê. Ser o homem da sua vida é responsabilidade demais pra mim. Eu queria ser o erro da sua vida, como diria a sua mãe. E te conquistar a cada acerto que provasse o contrário.
6) Confesso que fiquei frustrado quando você não chorou no fim do filme. O Marley me fez parecer uma menininha perto de você. Dura na queda e no choro e na vida. Quem te fez ter esse coração de vulcão? Imponente por fora, mas cheio de lava derretida por dentro. Adormecido. E eu ainda espero o dia em que toda essa ternura vai explodir de dentro de você. Mesmo que isso me machuque de alguma forma. Eu espero.
7) A janela. Você ainda possui esse ritual. Levanta, fecha, se deita e esquece a vida lá fora. Uma vez na vida, eu queria que você fosse um pouco menos egoísta consigo mesma. Você é doce, meu bem. Mas se esquece de que existe tanta coisa lá fora que poderia te fazer mais feliz. Sol ou chuva? Qual é o humor da sua felicidade hoje? Nada melhor que uma janela aberta e o vento batendo no rosto para lembrar que você está vivo. Mas você prefere não arriscar e deixar que o mundo não te invada. E eu ainda detesto que você seja restrita assim. Mesmo que seja por segurança.
8) Seus olhos são verdes. Mas essa sua teimosia diz que eles são azuis. Essa sua teimosia é o que te faz completa. Por incrível que pareça, ela não te deixa estagnada. É uma teimosia meio veloz, meio careta. É sempre isso e ponto final. Mas calma aí que tem outro parágrafo. Você é assim e isso me dá um desgosto profundo. Porque eu nunca consigo ganhar de você em discussões. Nem quando eu digo que o amor é roxo e você consegue me provar de alguma maneira que ele é azul. Maldita teimosia.
9) O seu guarda-chuva amarelo. Já pedi que o jogasse fora e você disse que não podia. Já pedi abrigo nele e você disse que me daria. Mas a verdade é que eu quero me molhar na chuva com você todas as vezes em que chover. Eu ando propositalmente sem proteções e queria que você fizesse o mesmo. Sem capa, sem guarda-chuva e sem cobertura. E a gente podia aproveitar o cobertor depois de se secar para reconhecer que passamos frio e temos um lugar melhor pra nós dois. Você, às vezes, desperdiça essas oportunidades.
10) Meus textos. Eu ainda odeio que você me faça escrever sobre você. Todos os dias, todas as horas. E sobre essa imperfeição que nós somos. Sobre as coisas que eu odeio e sobre as nossas diferenças. Sobre o que eu amo e sobre o que eu nunca deixo de amar em você. Eu odeio um sem-número de coisas e eu te amo. Essa contradição se explica no quarto, na sala, no corredor do nosso prédio. Se explica no grito, na raiva e na discussão. Se explica nas nossas diferenças e no apelo sincero do “por favor, volta”. Eu ainda odeio tudo isso em você, mas é impossível não gostar do conjunto. Não respeito as nossas diferenças, mas as amo. Porque se você fosse muito igual a mim, certamente eu a rejeitaria. Eu gosto de você assim com esses erros bobos e esses acertos enormes que fazem de você alguém bem diferente de mim.