Dessa vez não tem “meu bem”, “meu amor”, “meu anjo” ou nenhuma dessas expressões de ternura que eu sempre usei com você. É mais um daqueles meus desabafos de quem está cansada de esperar e ouvir promessas vazias (ou até algumas cumpridas). Na verdade, não é bem cansaço, é constatação. Sei lá, chega uma hora que a gente tem que tomar umas decisões e jogar fora ou invalidar velhas escolhas. Dessa vez a minha escolha recai sobre você.
É tão difícil assim entender que eu não vejo mais por que eu me apaixonei por esse cara de 1,80m que sempre me chamou de “minha pra sempre”? A gente cresce, tenta, sofre, sorri e cansa. Eu simplesmente cansei. Mas era um risco a se correr com toda essa coisa de eu dar mais valor a mim mesma do que aos outros. Não é egoísmo, não. É independência. E você esteve do meu lado até que começaram as brigas e a gente desandou. Normal, isso acontece com todo mundo, inclusive com a gente. E chegou num ponto em que remendo nenhum salvaria a gente de um naufrágio. Mas você insiste em me dizer com esses seus olhos azuis insuportavelmente claros que a gente ainda pode dar certo. Entende uma coisa, rapaz: acabou. Eu ainda gosto de você e você sente a minha falta. Mas acabou. Não adianta de nada a gente tentar colocar reticências no lugar de um belo ponto final e guardar tudo o que aconteceu em moleskines velhos engavetados no meu quarto. Eu acho que o melhor é deixar as coisas no passado e lembrar delas como algo bonito que passou. Melhor que ficar tentando requentá-las no microondas e sofrer o desgaste iminente.
O sexo era bom, você sabia onde tocar e a gente se divertia horrores. Eu sei que a gente se conheceu lá pelos meus 16 anos quando eu era uma rebelde incurável do ensino médio. E depois teve aquela nossa viagem pra Inglaterra onde todo mundo queria te deixar sozinho no quarto do Hotel porque você era meio estranho e tímido demais pra enlouquecer com a gente e com as drogas da estação. Mas já te disse que só usei uma ou vinte vezes aqueles velhos baseados que a nossa turminha costumava gostar. A nossa primeira vez foi exatamente naquele dia em que eu voltei correndo na chuva pra buscar a minha bolsa e você me esperou na esquina, me puxou pela mão, me jogou dentro do carro e levantou o meu vestido vermelho (e eu me lembro que a cor do seu rosto era da mesma cor do meu vestido). Mas viu? Passado é passado e a gente tem que desalojar o outro da nossa vida. Eu vou buscar minhas coisas na segunda-feira, você pode assistir ao jogo lá em casa. Eu não ligo. Só não quero mais ter que dividir a chave com um estranho.
E daí você me pergunta por que você se tornou um estranho da noite pro dia? E eu te digo que não estou falando de você. Estou falando da estranha que eu me tornei. Essa mulher de fibra, reconhecida pelos seus diplomas e pelo seu péssimo gosto pra restaurantes italianos, que se guardou numa redoma de vidro e decidiu viver um mundo de fantasias que éramos nós dois. Eu te amei sim. Agora é hora de olhar para frente, comprar umas roupas novas, reclamar da solidão nos dias de chuva e pegar a estrada pra praia nos dias ensolarados. Nós vamos acabar nos tornando amigos. Você sabe disso porque nós sempre fomos assim. Só que eu, maluca, destrambelhada, complexa, bipolar e mais cheia das certezas do que nunca, sei que agora eu quero ser minha, só minha e não de quem quiser. Agora as coisas vão ser do meu jeito, da forma que eu quiser. Eu posso estar enganada quanto a tudo isso e quanto a nós dois. Eu posso estar sofrendo uma daquelas crises de quando a gente chega aos vinte e tantos anos e não sabe ainda o que quer da vida. Eu posso te ligar amanhã pedindo desculpas por tudo e pedindo pra você voltar correndo e me abraçar no sofá lá de casa.
Só sei que agora eu vou viver à minha maneira. As coisas vão ser do meu jeito louco e insuportável. Do meu jeito leviano e um tanto quanto sério de me cobrar as coisas. Da forma mais tranquila e serena de ver o mundo enquanto um furacão passa pela nossa vida. Não vou te pedir desculpas, não. Porque daqui a algum tempo a gente se encontra. E vai que eu me apaixono de novo por você e por mim mesma? Eu sei que sou doida de pedra. Mas eu sou assim: a mulher da sua vida.